É impossível jogar Metaphor ReFantazio e não pensar mesmo que minimamente na nossa realidade. A guerra entre Palestina e Israel, os conflitos por território e controle de reserva de petróleo na África, a corrida à presidência dos Estados Unidos, catástrofes naturais em todos os cantos do globo… Isso é apenas a ponta do iceberg, claro, pois existem inúmeros outros problemas diários na sociedade moderna: ainda vivemos à mercê da desigualdade socioeconômica, da discriminação sexual e étnico-racial, e da intolerância religiosa, entre outros.
E diante de tantas questões que assolam o mundo atualmente, o tema central de Metaphor: ReFantazio não poderia ser mais propício senão a ansiedade; uma emoção que une a todos nós justamente porque abrange inúmeras camadas, mas em especial a antecipação de um futuro no qual muitas vezes não temos controle sobre. Essa turbulência interna é o que abre portas para a melancolia, a angústia e até mesmo a depressão. Enfim, eu poderia ficar horas falando sobre como o mais novo RPG da Atlus trabalha de maneira brilhante o conceito de metáfora usando um mundo de fantasia medieval para espelhar justamente os problemas que vivemos em nossa sociedade.
Mas como não posso (e nem quero) estragar as surpresas e reflexões que provavelmente você vai ter quando jogar o mais recente trabalho do Studio Zero, encabeçado pelas mentes criativas que lançaram alguns dos melhores jogos de Shin Megami Tensei e Persona; vou me abster de comentar além desse ponto.
Metaphor ReFantazio às vezes mais parece um espelho da realidade, e não uma metáfora
A história de Metaphor: ReFantazio começa em um ponto crítico: o assassinato do rei do Reino Unido de Euchronia. Como não deixou herdeiros, o falecido regente utiliza de sua poderosa magia para decretar que o próximo monarca deve ser eleito pelo povo, o que significa que qualquer pessoa do mundo pode competir nessa espécie de torneio. Aqui é onde se inicia a batalha pelo trono, e vemos desdobramentos de todos os tipos: candidatos que lutam unicamente pelas minorias e rejeitam qualquer outra raça e classe, privilegiados que acham que a coroa se define apenas por popularidade, entre outras figuras bizarras que não estão muito longe do que encontramos durante eleições, sejam elas presidenciais, estaduais ou municipais.
Entretanto, existem duas figuras que se sobressaem nessa narrativa: Forden, um Sanctífice que representa a teocracia em sua mais pura forma, e o libertário Louis que, a princípio, quer estabelecer o que parece ser um Estado laico, mas mantém aquele pezinho em uma visão meio social-darwinista, justificando as injustiças e explorações por meio da lei do mais forte.
Em meio às conspirações que circulam os dois lados dessa mesma moeda antidemocrática, está um jovem elda que se junta à resistência e recebe a missão de salvar o que sobrou da linhagem real para, assim, restaurar a paz no Reino Unido de Euchronia. Acompanhado da fada Gallica, o protagonista faz parte da nona tribo que compõe esse mundo, e também a mais discriminada. Chega a ser incômodo como cidadãos, guardas e até comerciantes maltratam o personagem principal apenas porque ele é um elda.
Ainda assim, a narrativa avança de forma brilhante justamente ao unir personagens de todas as tribos desse mundo: eugief, roussainte, clemar, nidia, paripus, ishkia, rhoag e mustari — cada um com sua particularidade física e sua própria cultura e/ou religião. Aqui, Metaphor: ReFantazio pega emprestado o sistema de relacionamentos de seu primo Persona, mas deixa de lado o romance para trabalhar em torno dos ideais que unem todos os personagens, em especial seus sonhos e desejos para um futuro melhor, livre de desigualdade e discriminação.
Mas antes de entrar no mérito dos recursos de gameplay, vale reforçar que a narrativa de Metaphor ReFantazio se mantém extremamente interessante ao longo de quase toda a jornada. Talvez eu tenha apenas uma objeção com uma parte específica da jornada que poderia ter sido um pouco mais objetiva, mas de resto, as temáticas que o jogo trabalha ao longo de todos os cantos do Reino Unido de Euchronia mantém a trama consistente e o jogador engajado — especialmente durante algumas reviravoltas bem interessantes.
O Arquétipo é a instituição que funciona
Na jogabilidade, Metaphor Re:Fantazio funciona de forma excelente. Com os textos em português brasileiro, inclusive, fica mais fácil entender muitas das funcionalidades e mecânicas, em especial a dos Arquétipos. Diferentemente dos títulos clássicos de Shin Megami Tensei e Persona, aqui os personagens despertam representações de Heróis do passado, chamados Arquétipos.
Durante a batalha, eles se transformam nesses Arquétipos, e podem usar utilizar técnicas distintas de cada “classe” digamos assim, além de combinar poderes por meio de uma habilidade chamada Síntese. Você também pode equipar qualquer Arquétipo nos seus companheiros, bastando despertar cada um dos poderes em uma árvore de habilidade compartilhada, que pode ser acessada em uma realidade paralela chamada Akademia.
Mas, para além dos chamativos e interessantes Arquétipos, uma das possibilidades mais interessantes nos combates de Metaphor: ReFantazio é o de emboscar inimigos que estão em níveis na mesma média ou abaixo do seu, podendo entrar em batalha com bastante vantagem ao deixar alvos atordoados. Dependendo do grau dos oponentes, você nem precisa começar um combate tático, aliás, pois consegue derrotá-los em tempo real com apenas um ou dois golpes. Acredite, esse detalhe parece pequeno, mas faz toda a diferença, deixando as explorações em masmorras muito mais dinâmicas.
E por falar em dinamismo, os personagens do grupo possuem em sua grande maioria uma dinâmica muito legal, e seus dramas e receios, todos explorados por meio do sistema de Seguidores — igual ao Confidant/Social Link de Persona — trazem mais profundidade não apenas aos bonecos em si, mas também para os dilemas que enfrentam ao representarem cada uma das tribos do jogo. Se o enredo de cada um dos seus companheiros não for o bastante, saiba que existem recompensas por se aprofundar nessas relações: você ganha habilidades passivas que vão te beneficiar das mais diversas maneiras, seja ganhando itens e/ou dinheiro extra sem o menor esforço, recuperando PVs e PMs nas batalhas, podendo equipar mais habilidades hereditárias nos Arquétipos, entre outras vantagens.
Experiência elevada em todos os âmbitos
Não posso falar de Metaphor Re:Fantazio sem mencionar o estilo artístico e os visuais estonteantes do jogo. Se o diretor Katsura Hashino se empenhou em trazer uma experiência coerente, memorável e cheia de significados, o designer de personagens Shigenori Soejima e toda a sua equipe de design e de arte se superou para além do que eu poderia imaginar.
A interface e a experiência de usuário (UI/UX), por exemplo, são muito bem executadas. E o visual dos menus é tão lindo que eu fiquei com vontade de lamber o Steam Deck no início de minha longa jornada (que durou pouco mais de 80 horas). O design dos personagens, então, nem se fala. Cada tribo tem características físicas marcantes para distingui-los, sim, mas os trejeitos, costumes, roupas e até mesmo comidas típicas foram cuidadosamente trabalhados para criar um mundo vivo e rico em detalhes.
O design dos Arquétipos também merece uma atenção especial, se distanciando o bastante dos Demônios e Personas das franquias primas, mas ainda trazendo aquele visual chamativo e singular para representar cada classe de forma magistral.
Agora, o que dizer das faixas compostas por Shoji Meguro? O veterano da indústria musical de games mais uma vez se infiltra em nossos ouvidos, mas dessa vez exibindo sua versatilidade com músicas marcantes de tons épicos. É um trabalho bastante diferente de seus anteriores, mantenha isso em mente. Mas não é ruim de forma alguma, só é diferente do que estávamos acostumados a ouvir dele. E se eu pudesse nomear a trilha sonora de Metaphor: ReFantazio com apenas uma palavra, ela seria “majestosa”.
Conclusão e nota para Metaphor: ReFantazio
As reclamações que tenho sobre Metaphor: ReFantazio são poucas. Foram mais de 80 horas em que me mantive entretida, engajada, imersa e cativada. Como disse anteriormente, apenas uma parte específica da jornada poderia ser mais objetiva, mas isso não atrapalhou a experiência como um todo. Até mesmo a performance no Steam Deck não foi um problema grande.
Isso porque em um local específico do mapa (em um ponto avançado da trama), senti a taxa de quadros por segundo caindo bastante enquanto jogava no Steam Deck. Mas quando visitei o mesmo local jogando no PC, porém, o desempenho foi melhor. Acredito que com patches de correção, a coisa toda se ajusta.
Entretanto, senti falta de um pouco de mais variedade nas masmorras exploradas, visualmente falando. Em termos de level design elas são competentes. Mas, seja na história principal ou durante missões secundárias, fiquei com a impressão de que já tinha visitado o mesmo lugar mais de uma vez. Não me leve a mal, não quero dizer que são todas iguais… Mas não dá pra negar que são parecidas.
Tirando esses pontos, apreciei cada minuto de Metaphor ReFantazio. Suas mensagens, reflexões, metáforas com a vida real (que, como citei anteriormente, às vezes parecem mais um reflexo da realidade) e toda a experiência como um todo foi extremamente positiva, deixando uma marca em minha memória e em meu coração. E se você gostou do que viu na demonstração — que possui mais de 6 horas de duração —, siga sem medo.
Metaphor: ReFantazio foi jogado no PC (via Steam) por meio de uma cópia antecipada cedida pela Atlus. O jogo chega em 11 de outubro para Xbox One, PlayStation 4, Xbox Series X|S e PlayStation 5.
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