The Last Hope: se está for mesmo a última esperança, a situação ficou bem complicada…
Alguma sábia alma já disse no passado que a imitação é a forma mais sincera de elogio. Procurei de que é a autoria dessa frase, mas é atribuída a tantas pessoas de épocas e países diferentes que a busca não deu resultados satisfatórios. Portanto, vamos imaginar que a pessoa por trás de tal pensamento é ninguém menos que Shigeru Miyamoto, criador de Mario e Zelda.
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Essa tal forma mais sincera de elogio é bastante frequente na indústria de videogames. Produzir jogos de grande escopo (os tais AAA) demanda um investimento alto e arriscado, afinal. Muitas empresas preferem seguir alguma tendência estabelecida por algum título que tenha recebido grande aclamação da crítica e público.
Bem, poucos jogos foram tão aclamados neste século quanto The Last of Us. O jogo da Naughty Dog iniciou, em 2013, um fenômeno cultural que se estendeu mais recentemente para uma série recordista de audiência da HBO. Esteticamente falando, o título ainda consolidou um gênero narrativo que informalmente ficou conhecido como “simulador de pai triste”. Isto é, um jogo onde o protagonista que controlamos desenvolve algum tipo de relação paternal com um personagem que devemos proteger.
A pérola da 10ª arte de hoje é uma obra que nunca pretendeu ser mais do que uma imitação de The Last of Us. Mas, ao copiar aquele que é considerado um dos melhores jogos de todos os tempos, o projeto conseguiu culminar em um dos piores produtos já concebidos pela indústria do entretenimento eletrônico.
É com um misto de pesar e constrangimento que hoje trago até você The Last Hope: Dead Zone Survival.
Do que se trata
Desenvolvido e publicado pela VG Games em parceria com a West Connection Limited, The Last Hope é um jogo e ação e sobrevivência lançado para o Nintendo Switch que foi lançado em julho de 2023. A obra ganhou notoriedade por se inspirar de modo bastante descarado no fenômeno multimídia da Naughty Dog.
Na história, a civilização testemunha o início de um apocalipse zumbi de causas desconhecidas, que promete arrasar 99% da população humana. As autoridades, então, decidem enviar para o futuro um soldado, Brian Lee, para descobrir se, anos à frente, as pessoas já descobriram a origem do problema, assim como uma possível cura. Durante a missão, nosso herói acaba resgatando a adolescente Eve, a quem deve proteger enquanto cria um inesperado vínculo de afeto.
Neste ponto acho que já posso parar de fingir que estamos falando de um jogo que realmente apresenta algum tipo de arco desenvolvendo personagens ou um enredo que se desdobra em conflitos e respostas. A viagem no tempo é só uma desculpa para colocar Brian em contato com sua futura filha já crescida, criando assim um laço paternal entre os personagens sem desenvolver absolutamente nada – até porque o jogo é tão curto que nem daria tempo de construir qualquer relação convincente.
O que você faz no jogo
No controle de Brian, é possível andar, bater em zumbis com um taco de baseball, atirar neles com armas de fogo e desbloquear fechaduras com um grampo de cabelo. E isso é tudo.
Na verdade, seria completamente desnecessário atirar ou bater nos mortos-vivos, dado que eles são tão lentos que em nenhum momento representam qualquer ameaça. Os confrontos só se fazem necessários porque a Eve se abaixa e fica imóvel sempre que um deles está por perto.
Nenhuma das mecânicas citadas pode ser treinada e amadurecida ao longo da “aventura”, porque o jogo dura cerca de meia hora. Sério. Não quero dizer que alguém com muita habilidade fez speedruns de 30 minutos de The Last of Hope. Essa é realmente a duração do troço.
E eu nem tenho nada conta jogos curtos, mas nesse caso aqui, simplesmente fizeram qualquer coisa que tivesse um aspecto levemente parecido com The Last of Us e lançaram na loja da Nintendo na esperança de fisgar algum desavisado. Porque o único motivo para alguém gastar qualquer centavo nisso seria realmente acreditar que terá no Switch uma experiência parecida com a do clássico da Naughty Dog.
Ou então, sei lá, talvez algum streamer com senso de humor bem peculiar se veja tentado a adquirir o jogo. Não que isso tenha acontecido comigo, veja bem…
O impacto estético
Aqui nesta coluna, geralmente escolho jogos que marcaram de alguma maneira o imaginário popular pelas particularidades, digamos, pitorescas. A curadoria geralmente me faz olhar para o passado e investigar obras que, para o bem e para o mal, já construíram uma fama e deixaram algum legado às gerações futuras. Raras são as oportunidades como a que surgiu agora, de fisgar uma lenda ainda em construção, tatear as paredes enquanto a tinta ainda está fresca.
É fato que The Last Hope: Dead Zone Survival é uma atrocidade lamentável que bate como uma voadora no baço de qualquer pessoa que ame videogames como uma forma de arte e expressão. Mas também é verdade que The Last Hope é a chance de viver a História, com H maiúsculo, em tempo real.
É cedo para avaliar qualquer legado ou marca deixada por esta alucinação eletrônica interativa, mas alguns veículos de prestígio já estão atribuindo à obra os créditos que merece. O Digital Foundry, por exemplo, citou The Last Hope como “o pior jogo que alguma vez analisamos“. E isto, estimado público, é um feito considerável. O jogo que mirou ser apenas uma cópia mal feita de The Last of Us, talvez consiga lugar ao Sol ao lado de grandes patrimônios culturais como Superman 64 e E.T. de Atari.
Mas essa lenda só o tempo será capaz de construir. Por hora, a reflexão que fica é a seguinte: se imitação é a forma mais sincera de elogio que existe, The Last Hope é a obra de arte mais honesta que esta mídia já viu em muito, muito tempo.