Quando um astro da NBA caiu na porrada com múmias de outra dimensão
O ano de 2023 está sendo extremamente positivo para o cenário dos jogos de luta. Street Fighter 6 está quebrando recordes de público da série, enquanto Mortal Kombat 1 foi destaque na Summer Game Fest e é um dos jogos mais aguardados do segundo semestre. É simbólico que duas das franquias mais importantes do gênero estejam em voga, porque isso nos remete diretamente aos anos 90, a era de ouro dos jogos de porradaria nos fliperamas e consoles.
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Os anos 90 também foram palco para a explosão de atletas como celebridades multimídia. Ayrton Senna, por exemplo, ganhou o próprio jogo de corrida, e logo veríamos Tony Hawk voar com uma série própria de skate nos consoles. Mas para os jogadores da NBA, o sarrafo era muito mais alto. Por que lançar um jogo de basquete, se poderíamos colocar os astros nas situações mais absurdas que a humanidade é capaz de conceber?
Foi assim que Shaquille O’Neal, pivô histórico do Los Angeles Lakers e um dos maiores campeões da história da liga, ganhou um jogo de luta envolvendo artes marciais, dimensões paralelas e entidades malignas do Egito antigo.
Do que se trata
Desenvolvido pela Delphine Software e publicado pela Electronic Arts em 1994, Shaq Fu é um jogo de luta protagonizado pelo astro do basquete. O título foi lançado para Mega Drive e Super Nintendo, com diferenças gritantes entre as versões, além de aparecer também nos portáteis Game Gear e Game Boy, e nos computadores Amiga. Este texto toma como base o jogo nos consoles de 16 bits.
Não é difícil imaginar o que fez a EA apostar em um conceito tão inusitado. A ideia era unir a popularidade da então estrela em ascensão da NBA com um dos gêneros mais buscados dos videogames. O’Neal estava começando também sua carreira no rap e sempre foi assumidamente fã de filmes de artes marciais e jogos como Mortal Kombat. Jogue tudo isso no liquidificador e você terá o puro suco dos anos 90 para um jovem estadunidense.
Parecia a receita certa do sucesso, e uma sequência já estava planejada antes mesmo do lançamento. Com todas as peças posicionadas, faltava apenas o jogo ser bem recebido…
O que você faz no jogo
Na história, o astro Shaquille O’Neal vai para Tóquio para uma partida beneficente de basquete. Enquanto passeava pela cidade, o pivô resolve entrar em um pequeno dojo de kung fu e é recrutado por um velho aleatório para resgatar um garoto chamado Nezu de uma múmia maligna, em uma dimensão paralela. Uma sinopse que levanta muitas questões sem resposta, certamente.
O jogo tem 12 personagens selecionáveis, colocando Shaq ao lado de algumas figuras bizarríssimas que recebem pouco ou nenhum contexto. Temos, por exemplo, Mephis, um zumbi verde coberto por um trampo velho, e a inesquecível Kaori, um híbrido de mulher com gato que parece ter saído de um episódio de Thundercats. Destaque para o velho da introdução do jogo, cujo nome é apenas Old Man (homem velho). Honesto e objetivo.
Aqui, cabe fazer uma ressalva: o jogo é muito bonito. A Delphine Software tinha demonstrado em trabalhos anteriores, como Flashback (1992), que mandava muito bem com animações e pixelart. Os personagens e cenários de Shaq Fu são muito vivos e coloridos, e as animações são incrivelmente detalhadas. O que, como veremos, é parte do problema do jogo.
Tudo é muito lento e impreciso, o que é pavoroso quando falamos em jogos de luta. Cada golpe parece durar de 5 a 10 anos, tamanho o nível de detalhe das animações. Os pulos são esquisitos e é muito difícil entender qual é a área do corpo de cada inimigo para acertar golpes. É até difícil descrever o desastre que esse jogo é na prática, porque visualmente tudo parece muito interessante
O impacto estético
Shaq Fu é um retrato pixelado da primeira metade dos anos 90. É como entrar em um quarto com um pôster da NBA atrás da porta e várias revistas de videogame espalhadas pelo chão. O único problema é que o quarto está isolado em uma dimensão paralela onde todos os movimentos acontecem em câmera lenta, enquanto múmias estão tentando te matar.
O jogo foi um absoluto fiasco de crítica, o que acabou impactando negativamente nas vendas. Pesou muito o fato de ter sido lançado com poucos meses depois da versão caseira de Super Street Fighter 2, mas é seguro presumir que o desastre teria se consumado de qualquer jeito.
O jogo ganhou, apesar de tudo, uma base fiel de fãs. É um título tão marcante que recebeu, em 2018, uma sequência, financiada por doações online, com o nome de Shaq Fu: A Legend Reborn. Mas esse já seria assunto para uma coluna futura – porque sim, esse segundo jogo é horroroso à própria maneira.
O fato é que Shaq Fu é uma obra é tão inusitada e fora da curva que acaba se tornando mais memorável do que outros jogos que até são melhores, mas não carregam tanta personalidade e contexto histórico. É, sem sombra de dúvidas, uma das experiências já concebidas pela mente humana, e merece ser reconhecido como o melhor jogo de luta com um jogador de basquete enfrentando múmias já produzido.
Nos vemos na semana que vem com mais uma pérola da décima arte!