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Entenda a elitização dos esports, tema citado por Gaules

Negros são minoria nos esports, mas... por qual motivo?

Entenda a elitização dos esports, tema citado por Gaules

Foto: reprodução/Riot Games

Gaules teve um corte de live viralizado nas redes sociais ao citar o elitismo dos esports, mas… afinal, o que isso significa? A reportagem da Game Arena buscou entender o assunto de forma mais aprofundada ao entrevistar a primeira mulher negra presente no VALORANT.

Vicky SM — ativista antirracista, apresentadora, caster de esports e criadora de conteúdo — conversou com o portal para explicar a origem do termo e também aprofundar o motivo real de jogadores profissionais da comunidade preta não estarem presentes da forma que deveriam estar nas competições do Brasil, considerando que é um país que conta com 55,5% da população negra, de acordo com o Censo Demográfico 2022. Se mais da metade da população tupiniquin é composta pela negritude, por que a grande parte de profissionais do esport são brancos?

 

Entendendo a origem

Imagem: reprodução/internet

 

Pincelando o surgimento das competições de esports, em meados da década de 70 e 80, tudo começou dentro de universidades. Estamos considerando um cenário fora do nosso país, que veio a começar receber este tipo de atividade mais recentemente, nos anos 2000. Quando recebemos, com muita paixão, os campeonatos das mais diversas modalidades, a maior parte da população negra ainda não tinha acesso ao ensino superior; fato que teve as primeiras evolições apenas em 29 de agosto de 2012, com a chegada da Lei de Cotas, que dá oportunidade para a negritude de se formar em universidades e faculdades de todo o território nacional.

“Somente participava quem estava dentro das universidades. Quem tinha ali uma segurança financeira para participar um tempo a mais e também quem tinha um tempo livre para dedicar nisso ou que já participava daquele meio. Ou seja a gente sabe que já era um meio muito elitizado naquela época”

“Quando a gente importa cultura de esports para o Brasil, a gente acaba importando também esse pilar de onde ele nasceu e fica muito mais complicado sair disso porque o Brasil é um país que respira desigualdade. A gente sabe também que tem pessoas que ganham em uma semana o que uma família não vai fazer em um ano e aí a gente sabe que existem barreiras que fazem a gente não correr atrás dos esports, que fazem a gente passar longe porque um computador, hoje, que tem um processador bom, que consegue fazer as coisas é um artigo de luxo”, conta.

Imagem: reprodução/acervo pessoal

Vicky mesmo sendo criadora de conteúdo há quatro anos, ainda não conseguiu comprar um computador ideal para trabalhar, tendo que usar um único notebook que ganhou de uma marca que foi capaz de ver o trabalho realizado pela influenciadora. Por que a apresentadora ainda não comprou um?

“Eu tenho prioridades. É a minha prioridade é sobreviver dentro da zona leste de São Paulo. Minha prioridade é ajudar minha família, ajudar gente que também saiu do mesmo lugar que eu e o dinheiro de um computador faz muita diferença quando a gente olha para esse aspecto. Quantas compras no mês eu poderia fazer com o dinheiro desse computador?”, questiona.

Considerando que para ser pro player é necessário jogar e se destacar nas filas ranqueadas, o primeiro ponto de desiguildade é possuir uma máquina que seja capaz de rodar os jogos do competitivo, que, sabemos bem que não são leves. Só que este é apenas um dos pontos. E quem precisa trabalhar para manter o próprio sustento, seja ajudando a família ou vivendo por conta própria?

“É muito mais difícil de resolver. Imagine um trabalho de escala 5×2 ou 6×1, que vai te consumir. Você vai passar oito horas trabalhando, levar uma a duas horas para chegar do trabalho e ir para o trabalho. Todo esse tempo de deslocamento já te esgota. Sem contar que, às vezes, você tem faculdade para se preocupar e também aquelas preocupações de se manter. Para a gente é muito difícil, sem contar todas as coisas que a gente passa no dia a dia, as situações de desigualdade e racismo. Tudo isso pesa”, pontua.

“Com a alma cheia de mágoa e as panela vazia,Sonho imundo, só água na geladeira,E eu querendo salvar o mundo” – Emicida

Falta de iniciativa

“A gente sabe que faltam iniciativas que sejam verdadeiras. Falta iniciativa que queira realmente fazer a diversidade de inclusão, porque, lá em 2020, tiveram muitas pessoas que falaram sobre o assunto. Foi quando estourou o Black Lives Matter”, explica.

De acordo com a apresentadora, diversas marcas e organizações se envolveram com o movimento ativista internacional, porém, o tempo passou e ficou por isso mesmo. A própria publicidade é requerida da população negra em datas comemorativas, utilizando as pessoas como se fossem uma espécie de chaveiro.

 “Quando você olha para 2024, parece que nada disso importa mai. Parece que a gente foi usado naquela época. As publis funcionaram para dar uma cara para a gente funcionar como um chaveiro, mas, hoje em dia, não funciona porque simplesmente as pessoas viram que não é um lucro que existe. Viram que realmente é uma pauta social e não é lucrativa. Aparece publi somente em novembro e algumas marcas ainda pensam de verdade em inclusão no mês da mulher negra que é em julho, mas no resto das datas, a gente some. A gente realmente não é visto, somos usados também como chaveiros”, explica.

Imagem: reprodução/acervo pessoal

Trazendo para os esports, quantas finais de campeonatos oficiais tiveram negros em uma grande final? Para a especialista, é necessário que exista um encorajamento, visto que, existe muito posicionamento, porém, pouca efetividade em ações para a evolução do cenário.

“A gente vê o quão rasos com escassos são esses players. Eu sempre trago como exemplo a diferença que teve naquela final do FNB com o Cariok no League of Legends. Para mim, foi uma das finais mais importantes da história do CBLOL, por terem dois homens negros dos dois lados. Só que, hoje em dia, a gente quase não vê nenhum lado tendo um homem negro. Isso vale também no CS, que é muito mais escancarado e, por isso mesmo, eu acho que as organizações tem que ter esse trabalho de base. Elas têm que olhar um pouco porque às vezes é muito posicionamento e pouca ação”, diz.

Quando voltamos os para o cenário e analisamos todas as organizações que defendem as causas negras no país, praticamente todos os times do cenário brasileiro levantam a bandeira da negritude em algum momento do ano. O posicionamento existe e é nítido, porém, o investimento em pessoas que precisam de apoio é algo diferente que, quando ocorre, é com um pequeno grupo de pessoas.

“É fácil você achar organizações de esports que se posicionam como gente antiracista, organizações, streamers e personalidades grandes. Porém, quando a gente precisa de uma ação que realmente mostra algo, seja um streamer dar o espaço para outros estarem naquele meio, para pessoas não brancas participarem da stream, não acontece. Eu vejo diversas pessoas que estão tentando um sonho, porém, tão tentando um sonho de lugares que às vezes não vai ter muita internet boa. Estão tentando sonho com 80 de ping e 60 de FPS”, explica.

Vivência nos esports

Foto: reprodução/Riot Games

 

Vicky começou a criar conteúdo na época da pandemia do Covid-19 e, ao lado da extinta Wakanda Streamers — coletivo que visava unir a comunidade preta em um único lugar, começou a ganhar notoriedade na mídia, sendo a pioneira a aparecer em uma transmissão oficial de VALORANT da Riot Games.

“Eu fui a primeira mulher negra a estar dentro do VALORANT dentro de uma transmissão como caster em 2021, no primeiro campeonato que teve do Game Changers e entrei como repórter. Desde lá, eu vejo o quanto que é difícil. As coisas não mudaram e não é só em um jogo, não é só em uma modalidade. As coisas não mudaram, de lá a gente vive implorando oportunidades e às vezes só é em semanas especiais que a gente consegue entrar, às vezes a gente só quer mostrar o quanto o nosso trabalho”, relata.

Outro exemplo de figura da comunidade negra nos esports é Lahgolas, que também veio da Wakanda Streamers e, atualmente, trabalha para a Riot Games no League of Legends (LoL), atuando em campeonatos como o CBLOL (Campeonato Brasileiro de League of Legends) e no CBLOL Academy.

Foto: reprodução/Riot Games

A profissional ainda voltou a citar as iniciativas que buscam o lucro e não a visibilidade e contou que possui amigos que deixaram de sonhar com a vida de jogador profissional por terem outras prioridades necessárias para sobreviver, afinal… dinheiro compra muita coisa.

“A gente sabe que as iniciativas não vendem, essas iniciativas elas não são é como eu posso dizer não são faça isso de se monetizadas e elas também não muitas das vezes não não é o objetivo delas. Nosso objetivo é conscientização, é igualdade, e a gente não tá pedindo muito. Eu falo que eu não estou pedindo para que me dê em voz, eu tenho a minha própria voz, eu quero me expressar. Eu tô pedindo espaço para ser ouvida. Eu tô pedindo espaço para que pessoas como eu consigam ter um trabalho digno. Elas não conseguem ter um futuro dentro dos esports porque até hoje eu vejo amigos meus desistindo de toda a carreira de esports exatamente porque precisam focar em ganhar dinheiro sobreviver” pontua.

 

Poucos exemplos a serem seguidos

Foto: divulgação/Copa AFG

 

Existem projetos nos esports que incentivam a participação da negritude brasileira, mas ainda precisamos que mais iniciativas sejam feitas para abraçar uma comunidade inteira de pessoas que possuem o sonho de viver de jogos. O AfroGames é um dos exemplos, porém, a atividade realizada pela organização é capaz apenas de auxiliar algumas favelas do Rio de Janeiro (RJ), sendo que o Brasil possui 26 estados, sem contar com o Distrito Federal, localizado em Brasília.

“Hoje, o AfroGames é uma referência de projeto, até mesmo por tudo o que ele já construiu ali no Rio de Janeiro, tudo que já acontece por lá, como a Copa AFG e tudo que eles pensam pra galera que tem ali que não tem realmente a mesma oportunidade do que a galera de elite; que é o que já domina os esports. Mas ainda é pouco, não tem como colocar tudo nas costas do AfroGames, até porque eles conseguem atender somente as favelas do Rio de Janeiro”, complementa.

Vale lembrar também que a FURIA é uma das poucas organizações de esports que realiza iniciativas pontuais para a população das favelas, sendo o único exemplo de clubes tupiniquins que visa a inclusão de pessoas pretas no competitivo.

 

LEIA MAIS

 

Como dar mais visibilidade para a comunidade?

Vicky fez uma análise com base no que tem vivido e visto no cenário brasileiro de esports e indicou algumas alternativas para organizações, empresas e marcas que investem no competitivo conseguirem dar um apoio real para a comunidade negra.

  • “Para mim, é essencial começar pela contratação de pessoas negras para o núcleo de poder dentro de orgs, publishers e dentro de canais que estão ligados aos esports; 
  • “Um outro ponto bem importante é a criação de academys voltados à população não branca e população periférica, em que eles consigam ter toda uma estrutura que os apoiem”;
  • “Mais do que necessário também é tratar pessoas pretas não como um chaveiro. A gente é muito utilizado às vezes como aquele token de ‘Ah, nós temos pessoas negras aqui e eu não vou ser racista’. Não é isso que a gente quer, a gente quer realmente que essas vozes sejam ecoadas e que a gente tenha um espaço para falar sobre assunto não somente em novembro”;
  • “Uma chance também das empresas pensarem e se aliarem ao pacto de equidade racial que já existe no Brasil. Ter pessoas ligadas à diversidade de inclusão dentro dos esports é também tem pessoas que lutam por esse pacto de equidade racial”;
  • “Acima de tudo, estar aberto a essas mudanças. Ter a intenção de mudar. A gente não quer roubar o espaço de ninguém, a gente não quer simplesmente roubar o trabalho de ninguém. A gente quer ter oportunidade de chegar nesses espaços. Fazer com que as pessoas realmente sejam aliadas ativas e não somente comentar sobre e ficar em redes sociais”.

Se você gostou deste conteúdo em texto, veja também nossos vídeos. Neste aqui, falamos um pouco mais sobre a origem dos esports, confira:

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