Polybius, uma das lendas mais macabras dos videogames
Videogames sempre foram um exercício de imaginação. Apertamos botões de plástico para engatilhar resultados diversos, em um programa interativo, exibido em uma tela, e preenchemos as lacunas dessa atividade com nosso poder de abstração. Isso é válido para os jogos mais recentes e ultrarrealistas, mas é ainda mais intenso em jogos de visual mais simples e abstrato, como era o caso dos fliperamas do começo dos anos 80.
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Mas o que acontece quando o exercício de imaginação independe do jogo.? Ou quando a própria existência do jogo é colocada em debate para dar asas não apenas à nossa criatividade, mas também aos nossos medos?
A pérola dessa semana é uma das maiores lendas urbanas da história dos videogames. Uma máquina de fliperama que foi diretamente associada com problemas de saúde, pensamentos dos mais sombrios e uma conspiração do governo dos Estados Unidos envolvendo experimentos supervisionados pelo FBI.
Com vocês: Polybius, o fliperama que é um suposto segredo de estado!
Do que se trata
Polybius seria, segundo os muitos rumores, um jogo de fliperama lançado em 1981. O desenvolvimento e distribuição do jogo teria ficado a cargo de uma empresa chamada Sinneslöschen, que é uma junção de palavras, em um alemão bem precário, que significaria algo como “privação de sentidos” – uma alusão bem evidente aos impactos macabros de se aventurar na experiência do jogo.
O jogo supostamente foi disponibilizado apenas na região de Portland, em Oregon. As máquinas eram totalmente pretas, sem nenhuma ilustração conceitual ou marcação sobre o nome do game. Não está claro se haviam várias máquinas em estabelecimentos diferentes, ou apenas uma que ficou frequentemente mudando de lugar.
Mas, aparentemente, os fliperamas desapareceram subitamente poucas semanas depois. Não há registros oficiais sobre Polybius, apenas histórias locais sobre ele que, antes da popularização da internet, sobreviveram apenas pelo discurso oral nas mesas de bar.
O jogo apareceu pela primeira vez na imprensa especializada em uma edição de 2003 da revista norte-americana Gamepro, citando o título apenas como um rumor, e afirmando que a investigação em torno da existência foi inconclusiva. Desde então, sugiram cada vez mais relatos online, transformando o rumor de Polybius em um fenômeno cultural.
O que você faz no jogo
A realidade concreta é que não existe nenhum registro em vídeo, máquina jogável ou mesmo uma versão para emulação do que seria o tal Polybius. As imagens que circulam na internet retratam um jogo que parece ter sido inspirado em Tempest, clássico dos fliperamas que foi lançado em 1981 – mesmo ano atribuído a Polybius.
A internet ficou recheada de supostos relatos e teorias sobre efeitos físicos e mentais adversos afetando qualquer pessoa que investisse algumas fichas para jogar Polybius. Os problemas causados pelo jogo iriam desde desconfortos físicos e dores de cabeça, até convulsões e surgimento de pensamentos sombrios e destrutivos.
Mas a parte mais espinhosa dos boatos alegam que o desenvolvimento do jogo foi financiado pelo governo dos Estados Unidos. Nos estabelecimentos onda a máquina teria ficado jogável, de repente homens de preto e óculos escuros surgiam para coletar dados da máquina e desaparecer do local sem pronunciar uma palavra.
Desta anedota, obviamente, as teorias escalaram para supostos experimentos de lavagem cerebral e indução através de estímulos visuais, um teste macabro que aconteceu em Portland, transformando jogadores desavisados em cobaias das autoridades estadunidenses.
O impacto estético
Antes de tudo, a realidade observável precisa ser reforçada: não existe nenhuma evidência comprovando que Polybius tenha, de fato, existido. Pelo contrário, a conclusão mais razoável é a de que tudo não passou de um boato regional que aumentou muito de proporção com o advento da internet. No entanto, isso não significa que a história não tenha sido baseada em alguns eventos reais – ainda que eles não corroborem a ideia de conspiração.
A possível origem da lenda de Polybius parece ter relação com um fato concreto: Portland foi uma região usada para testar a popularidade de novos jogos no começo dos 80. Novas máquinas de fliperama eram colocadas nos estabelecimentos, muitas vezes sem marcação, pois o nome do jogo poderia mudar, caso ele demonstrasse apelo popular a ponto de ser distribuído no resto do país. Assim, era comum que fliperamas não identificados aparecessem e sumissem de repente sem muita explicação.
Outro fato muito bem documentado é que pessoas passaram por problemas de saúde jogando fliperamas no começo dos anos 80. Mas a esmagadora maioria dos casos se deu por tempo excessivo de jogo, má alimentação e sensibilidade à luz das telas. O que certamente desencadeou um pânico envolvendo possíveis malefícios do ato de jogar videogames – algo que, inclusive, existe em menor escala até os dias de hoje.
Sobre os homens de preto, bem, não é absurdo que oficiais de qualquer serviço de inteligência tenham dedicado atenção especial à febre das casas de fliperama, tanto pelos casos citados acima, quando pelos estabelecimentos de fachada que poderiam esconder casas de apostas irregulares ou outros serviços ilícitos.
Com tudo isto posto, a verdade é que, a essa altura do campeonato, em 2023, pouco importa se Polybius existiu de fato ou não. Videogames são, afinal, exercícios de imaginação. Por mais que o jogo nunca tenha sido desenvolvido ou lançado, é inegável que ele ajuda a contar parte da história da popularização dos fliperamas nos Estados Unidos e o impacto que isso teve na cultura e no imaginário popular.
Polybius se tornou mais popular e influente do que centenas de jogos que de fato existiram naquela época. O game, com as próprias conspirações e rumores macabros, já virou tema de documentário e chegou até a ser referenciado em um episódio dos Simpsons. É, possivelmente, a máquina de fliperama inexistente mais influente de todos os tempos.
Será que ainda assim podemos dizer que Polybius nunca existiu?
Nos vemos na semana que vem com mais uma pérola da décima arte!
Com informações de: The Videogame Historian, Cinemassacre e BBC