Quando o Mario poder de Mario era fechar portas
Todos nós já tomamos decisões ruins nessa vida. É humanamente impossível passar pelo processo de amadurecimento sem deixar alguns arrependimentos pelo caminho. Mas quase ninguém precisa conviver com o fato de feito uma escolha errada que tenha custado a liderança do mercado mais lucrativo da indústria do entretenimento.
É com esse fardo que a Nintendo precisou conviver nos anos 90, quando precisou investir em uma parceria para um console que rodasse jogos em CD. De um lado, estava a Sony com protótipos do que viria a ser o PlayStation. Do outro, a Philips, que investiria em um console próprio, o CD-i. Como estamos falando de arrependimentos, nem precisou dizer em qual a Nintendo resolveu apostar todas as fichas.
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O Philips CD-i é um desastre conceitual que surgiu em meio a essa colaboração com a Nintendo, o que permitiu que o novo console de CD recebesse jogos licenciados de franquias famosas da gigante japonesa. Essa parceria rendeu três jogos da série Zelda – um deles, Wand of Gamelon, já foi estrela desta coluna – e um novo título do Mario, personagem mais famoso dos videogames. E é neste último que vamos mergulhar a partir de agora.
A pérola da décima arte de hoje é um dos piores usos de personagem licenciado da história dos videogames: Hotel Mario!
Do que se trata
Desenvolvido pela Fantasy Factory e publicado em junho de 1994 pela própria Philips, com vista grossa da Nintendo, Hotel Mario é um jogo exclusivo de CD-i que apresenta os personagens do Reino dos Cogumelos em uma aventura inédita. Na história, Bowser escondeu a princessa Peach em um dos 7 prédios da rede de hotéis da qual ele é dono, e cabe aos irmãos Mario e Luigi revirar cada um deles para resgatar a monarca.
A trama é contextualizada dentro do jogo através de cenas animadas (cutscenes), que parecem ter se inspirado no desenho animado para televisão do Mario, que fez relativo sucesso no começo dos anos 90. O resultado dessas cutscenes é pitoresco, para dizer o mínimo, e foi matéria-prima de muitos memes entre fãs do mascote da Nintendo.
Não há qualquer explicação plausível sobre o motivo do Bowser ser dono de uma rede de hotéis, ou por que ele escondeu a Peach nesses prédios em vez de apenas deixá-la no próprio castelo como de costume. Como toda grande arte, Hotel Mario deixa lacunas que só podem ser preenchidas pela imaginação.
O que você faz no jogo
Na prática, Hotel Mario não lembra em quase nada o que se espera de um jogo do Mario. As fases são hotéis de vários andares com uma série de portas por onde os inimigos saem. O estágio é concluído sempre que Mario consegue fechar todas as portas, prosseguindo assim para o novo desafio.
Se formos comparar com algum jogo da Nintendo, Hotel Mario está mais próximo de uma experiência de fliperama como Donkey Kong e o primeiro Mario Bros, mas sem o mesmo refinamento. A composição visual das fases é uma baderna, as músicas são extremamente enjoativas e a jogabilidade ficou muito limitada pelo esquisitíssimo conceito de andares e portas que foi adotado.
Cada hotel é gerenciado por um dos filhos do Bowser, que aparece como um obstáculo final separando os episódios e ambientes do jogo. Mas as batalhas de chefe nada mais são do que fases normais com o rival da vez tentando te atrapalhar a fechar as portas. O que nos leva à questão: que diferença faz para eles ou para a Peach se essas portas estão abertas ou fechadas? Novamente, lacunas se oferecem ao exercício especulativo.
O impacto estético
Além de render muitos memes pela bizarrice toda do conceito, Hotel Mario é, assim como os Zeldas de CD-i, o retrato de uma das apostas mais alopradas da Nintendo. É o legado de uma época em que, assim como hoje, a empresa se esforçava para emplacar as franquias de sucesso em outras mídias e formados. Foi nesse embalo que tivemos, além dos jogos com a Philips, os programas de televisão e o famigerado filme do Mario com atores reais, em 1993.
É evidente que a Nintendo não se orgulha da escolha que fez entre PlayStation e CD-i. Mas e quanto aos arrependimentos da Philips? Porque, veja bem, a empresa teve na mão o personagem mais famoso da história dos videogames para alavancar um console próprio. Poderia fazer absolutamente qualquer coisa tendo como base os sucessos do NES, Super NES e Game Boy. Era só jogar seguro. Mas o que veio foi uma maluquice aleatória sobre portas, hotéis e cenas animadas de gosto duvidoso. Sabemos bem como está o PlayStation hoje em dia. E o CD-i, por onde anda?
É como eu disse, todos nós já tomamos decisões ruins nessa vida.
Nos vemos na semana que vem com mais uma pérola da décima arte!