Revivendo outra grande adaptação da Barbie para o audiovisual
A história dos videogames sempre foi constantemente influenciada pela forma como a indústria enxerga os consoles e jogos como produtos, mirando algum padrão de consumo. E essa visão já se transformou várias vezes no decorrer das décadas, nem sempre refletindo aspectos positivos da nossa cultura.
Um dos pontos mais delicados da construção do videogame no imaginário popular foi a tendência de tentar vender os aparelhos como meros brinquedos, voltados predominantemente para meninos. Carregamos os impactos disso até hoje – basta ver a frequência dos casos de misoginia em partidas de jogos online – mas era algo bem mais evidente na década de 90.
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Apesar das mulheres sempre terem desempenhado um papel crucial na história dos videogames, do ponto de vista do marketing, o padrão é vê-las como segundo plano. E, na hora de tentar vender videogames para elas, algumas decisões controversas foram tomadas no meio do caminho. A TecToy, por exemplo, chegou a lançar um Master System rosa, subentendendo com isso que o console original era mesmo apenas para garotos.
É desse contexto que nasce o preconceito em torno da Pérola da 10ª Arte dessa semana. O título rotulado nas locadoras da época como “jogo de menina”, apenas por ser protagonizado pela boneca mais famosa do planeta.
Hoje vamos relembrar de uma adaptação da Barbie que veio exatos 30 anos antes do famigerado filme com a Margot Robbie. É hora de falar do jogo da Barbie da era 16 bits.
Do que se trata
Barbie Super Model é um jogo de corrida de obstáculos, com elementos de simulação da vida de uma modelo internacional, trazendo a boneca mais famosa do século XX para o papel principal. O desenvolvimento ficou a cargo da obscura Tahoe Software, e o jogo foi distribuído pela Hi Tech Expressions, que tocou o lançamento em 1993 para Super Nintendo, Mega Drive e MS-Dos.
Antes de Barbie Super Model, a Tahoe Software tinha trabalhado apenas em Rollerblade Racer, um jogo de NES sobre patinação nas ruas de algum subúrbio aleatório. Como essa empresa conseguiu licenciar uma das mais icônicas linhas de brinquedos do mundo, tendo só isso no currículo, é um grande mistério. E, como veremos seguir, o trabalho da Tahoe foi basicamente reaproveitar o jogo de patins, mas dessa vez colocando a Barbie na história.
O que você faz no jogo
Barbie Super Model apresenta quatro fases que consistem, basicamente, em controlar o avanço da boneca em uma progressão lateral, desviando de obstáculos. Não é um jogo de plataforma, ficando muito mais próximo de um jogo de corrida. Usamos dois botões principais, para acelerar ou diminuir a velocidade, movimentando a Barbie para cima e para baixo na intenção de desviar de outras pessoas ou objetos, e também coletar itens.
As quatro fases funcionam dentro dessas mesmas mecânicas, variando apenas no cenário e o tipo de locomoção. A princípio temos um conversível voando baixo pelas ruas de Hollywood, mas as etapas seguintes trazem também a Barbie andando de patins na praia, caminhando na neve e pedalando com uma bicicleta no parque.
Para diversificar a experiência, a Tahoe incluiu alguns minigames, que seriam a parte “simulador de top model” do jogo. São alguns desafios bem simples de memória, que envolvem reproduzir uma capa de revista, acertando, de cabeça, detalhes como roupa e maquiagem, ou desfilar na passarela acertando uma sequência específica de botões.
Esses momentos, apesar de bem simples, são desafiadores para alguém com a memória proporcional à de um girino (meu caso), e, de fato, conseguem reforçar a ideia de que estamos jogando um jogo de modelo da Barbie, vendendo melhor a experiência, apesar de toda a apresentação do jogo ser bem simplória.
O impacto estético
Desta vez quero pedir licença para quebrar o protocolo dessa coluna (?), e comentar um pouco do impacto desse jogo contando uma história pessoal.
Videogame sempre foi um lazer compartilhado na minha família. Meu pai e meus tios viravam noites competindo por recordes no Atari, antes mesmo de eu nascer. Tanto eu quanto minha prima mais próxima, que temos praticamente a mesma idade, crescemos dentro desse contexto. E, quando ela ganhou de presente o jogo da Barbie para o Super Nintendo, passei várias tardes jogando no console dela.
Eu realmente gostava desse jogo. Tive a sorte de crescer em um ambiente onde isso foi pouco julgado, então não era uma grande questão, para mim, brincar de escolher maquiagem ou ensaiar passos desfilando na passarela. Mas isso, na década de 90, era a exceção, não a regra.
Barbie Super Model ajudou a ressignificar, em mim, o estereótipo batido dos papeis de gênero. Teve participação do processo de subverter essa coisa anacrônica de que meninos vestem azul, que tal brinquedo ou profissão só vale se estiver de acordo com o sexo da pessoa. E tenho uma boa memória afetiva em relação ao game, também por isso.
Não é um jogo incrível, muito longe disso. É limitado, as animações são horrorosas e as possibilidades se esgotam em meia hora. Mas isso só reforça que nossa relação com arte vai muito além do que conseguimos quantificar por notas, números e critérios objetivos. Então, fica aqui o meu agradecimento à Barbie modelo e ao conversível rosa acelerando pelas ruas de Hollywood.
Nos vemos na semana que vem com mais uma pérola da décima arte!