Nova versão de Ghost Trick revive um jogo fantástico, mas peca no polimento
A existência de uma versão remasterizada de Ghost Trick é, em si, uma forma de reparação histórica. Lançado em 2010 para o Nintendo DS, o jogo recebeu menos alarde do que merecia, se tornando cultuado em um nicho que, embora apaixonado, nunca se equiparou com a popularidade de Ace Attorney, série que pode ser considerada uma irmã mais velha por também ter sido escrita e dirigida por Shu Takumi.
Em março deste ano, quando a nova versão foi atualizada, escrevi aqui na Game Arena um texto argumentando, em detalhes, por que essa nova chance para o título seria tão importante. Agora, com o jogo em mãos, quero comentar as melhorias do relançamento, assim como alguns dos problemas e oportunidades desperdiçadas. Mas, antes, vale trazer também algum contexto por trás da remasterização. Por que a Capcom decidiu relançar Ghost Trick 13 anos depois?
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O caminho para a nova versão
Em primeiro lugar, dificilmente a empresa olharia para o jogo de 2010 com tanta atenção se não estivesse passando por um ótimo momento. A empresa vem empilhando grandes sucessos de crítica e público nos últimos anos, especialmente com as séries Resident Evil e Monster Hunter. Em uma indústria viciada em fusões e compras de estúdios, a Capcom é um caso invejável de prosperidade.
Outro ponto importante, levantado pela própria Capcom, foi o ótimo desempenho da série Ace Attorney no mundo todo, e não apenas no Japão. Haruhiro Tsujimoto, chefe de operações da empresa japonesa, comentou o sucesso, citando diretamente o relançamento de Ghost Trick. “Ao divulgar uma remasterização de Ghost Trick dizendo ‘Isso também foi feito por Shu Takumi, o diretor de Ace Attorney’, esperamos poder atrair a atenção das pessoas em todo o mundo”, disse Tsujimoto.
Temos uma junção de fatores positivos que abriram caminho para o retorno das travessuras de fantasma. O que nos deixa com a pergunta: a versão faz jus ao jogo original? A resposta curta é ‘sim’, mas com algumas ressalvas importantes, em aspectos que poderiam ter sido melhor trabalhados.
Adições e melhorias
O aspecto positivo que mais chama a atenção de imediato é como o jogo segue muito bonito, mesmo que não seja, de fato, um remake. Dá para perceber que os mesmos modelos originais, com poucos polígonos, foram reutilizados com texturas em alta resolução. Ver um jogo projetado para as telas do DS ampliado em uma TV grande poderia causar um impacto negativo, mas isso não acontece.
Boa parte do mérito é da direção de arte do jogo original, que usava, de modo muito inteligente, as limitações de hardware do portátil. Os personagens poligonais, embora pouco detalhados, possuem animações extremamente carismáticas. As cores do jogo todo são bem vibrantes, e as ilustrações dos diálogos reforçam isso com um traço muito charmoso e característico.
O som também recebeu uma atenção especial. Toda a trilha sonora foi rearranjada, com participação do compositor original, Masakazu Sugimori, que também trabalhou nos dois primeiros jogos de Ace Attorney. Existe a opção de escolher qual versão ouvir durante o jogo, mas, honestamente, só a nostalgia justificaria uma escolha pelas músicas originais, dada a qualidade e fidelidade dos novos arranjos.
A nova versão inclui também uma galeria de ilustrações e artes conceituais que vai sendo desbloqueada conforme a história progride, além de alguns desafios de tempo envolvendo quebra-cabeças que aumentam as possibilidades do jogo, considerando que a campanha principal é relativamente curta.
Uma versão quase definitiva
Mas é difícil não reparar em alguns problemas, considerando o padrão de qualidade de outros relançamentos recentes. O jogo não ter sido adaptado para telas widescreen talvez seja o ponto baixo mais chamativo. A razão de aspecto 4:3 das telas do Nintendo DS foi mantida, o que faz pouco sentido, considerando que a exploração envolve rolagem lateral com bastante frequência.
O movimento de Sissel pelos objetos do cenário, que era feito com a caneta Stylus no original, não faz uso do touchpad do Dual Shock na versão de PlayStation – incrível como ninguém lembra que esse troço existe no controle. A movimentação pelos analógicos, embora funcional, não é tão interessante, porque o jogo foi pensado para telas de toque.
Outro detalhe que pode ser apontado como falta de capricho foi a ausência de um log de conversas, para reler as caixas de texto anteriores em cada diálogo. Essa é uma função bem comum em jogos recentes, que, inclusive, está presente na versão HD de The Great Ace Attorney Chronicles, lançada em 2021. Não faz sentido um jogo da mesma empresa e criador ter recebido a opção e Ghost Trick, ainda mais recente, ficar sem. Especialmente porque esses jogos são muito focados nos diálogos em texto.
E, falando em texto, essa é uma reclamação específica para nós, brasileiros: justamente pelo título ter como ponto forte a história e os diálogos, é apenas lamentável a ausência do idioma português brasileiro. Algo que estamos acostumados a (não) ver em jogos da Nintendo, mas, merecidamente, esperamos mais dos lançamentos da Capcom no país.
A sensação que fica é que a nova versão de Ghost Trick é, sim, uma novidade muito bem-vinda e um ótimo trabalho para levar a incrível obra de Shu Takumi para mais plataformas e, consequentemente, para uma nova geração de jogadores. Quanto mais pessoas tiverem acesso ao jogo, melhor. Esse é não apenas um dos melhores jogos da biblioteca do Nintendo DS, como também é uma das mais inventivas realizações em narrativa e game design que a indústria já conheceu.
Fica, no entanto, um sentimento agridoce de constatar que um jogo tão incrível merecia um pouco mais de mais carinho e capricho nos detalhes.
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