“É a maior história já contada nos videogames”, disse Craig Mazin em uma entrevista recente ao site Empire.
Ele é diretor e produtor executivo da adaptação de The Last of Us para a HBO, série que estreou no canal e no seu serviço de streaming no último domingo (15). A frase é no mínimo questionável, mas tá longe de ser algo novo. Comentários fervorosos assim não são tão incomuns quando o assunto é The Last of Us.
O jogo sempre foi rodeado de hipérboles, positivas e negativas. Ou ele era a mais forte evidência do potencial artístico dos videogames para contar histórias, ou era apenas um “filme interativo”, mais um jogo da saturada temática de zumbis que só trocava vírus por fungo, sem muito a acrescentar na fórmula para além das suas ambições cinematográficas.
Cravar qual dos lados estava exagerando (spoiler: ambos) é menos importante aqui do que apontar qual aspecto do jogo era central nessas análises: a narrativa. Os elogios mais emocionados, as críticas mais duras, tudo girava em torno da história de The Last of Us, os eventos no seu roteiro que desenvolvem a relação entre os personagens principais. Isso era verdade em 2013 e, como pudemos ver acima, continua sendo 10 anos depois.
Sim, The Last of Us é o jogo onde personagens têm a oportunidade de resgatar um pouco da sua humanidade em laços afetivos dentro de uma sociedade moralmente falida, e isso é magnífico. Mas também é um jogo onde sua vida depende de que você vai fazer com um pedaço de trapo velho, açúcar e um pouco álcool enquanto um cogumelo gigante com pernas tenta descobrir sua localização. Igualmente magnífico, eu diria.
Dificilmente um jogo de 15 horas teria impactado tão profundamente as pessoas se a história e cinematografia não estivessem em perfeita sintonia com suas mecânicas, com os desafios e soluções que se apresentam para nós enquanto exploramos a devastação daquele mundo. É a inteligência dos seus sistemas que eleva o envolvimento com aqueles personagens e aquele universo.
Mas o jogo vai além, sendo também o retrato de uma época na indústria de jogos. Conforme você joga, pode perceber elementos de uma história ali além da de Joel e Ellie. É a história dos jogos de ação tridimensionais com alto valor de produção – o tais “AAA”. Quando The Last of Us chegou, ele estava encerrando o ciclo de uma geração, levando o PlayStation 3 ao seu limite de desempenho. Mas também representava o ponto culminante de várias ideias e tendências que foram estabelecidas do final dos anos 90 até 2013.
São as inspirações puxadas pelo jogo e a inteligência pra unir todas elas que ajudam a contar essa outra história. O ângulo de câmera nas costas de Joel, os elementos de furtividade, as sequências de tiroteio, a calculada escassez de itens, o risco e recompensa de escolher fabricar medicamentos ou um coquetel molotov. Tudo casando perfeitamente bem com as circunstâncias e com o sentimento de tensão, sobrevivência e superação que a história quer transmitir.
Se tudo funciona tão bem, por que ele é mais lembrado pelos seus méritos cinematográficos? Bom, tenho alguns palpites. Talvez por emular tão bem a estética de grandes filmes e séries, ele nos faça pensar nele como quem analisa indicados ao Oscar. Ou talvez ele tenha sido simplesmente a resposta perfeita para a síndrome de vira-lata dos videogames enquanto arte, uma necessidade de validação externa, de aproximação de formatos que pareçam gozar de mais prestígio, como literatura e cinema.
Defender The Last of Us como “a maior história já contada em videogames” só porque parece um filme é desmerecê-lo enquanto jogo, assim como dizer que é apenas um filme interativo é fechar os olhos pra tudo que torna a experiência de jogá-lo tão imersiva e satisfatória.
The Last of Us é muito maior do que os feitos da sua narrativa cinematográfica, porque contar boas histórias é apenas uma das coisas que videogames podem fazer enquanto arte.