O palhaço de Twisted Metal atacou longe do PlayStation
Rio de Janeiro, 1998. Um pequenino Pedro Scapin passava mais um dia de muita felicidade com o PlayStation que havia ganhado de presente no Natal anterior. Meus dias eram baseados em acordar, ligar o videogame e passar horas e horas explorando universos mágicos no console da Sony.
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O vício da vez era em um jogo de corrida e combate que eu tinha conhecido em uma festa de aniversário, algum tempo antes. Twisted Metal surgiu em minha vida como um simples passatempo, mas foi crescendo cada vez mais, me puxando para um vórtice de destruição e carnificina motorizada, que quase teve um final catastrófico.
Em um sábado qualquer daquele ano, comecei o dia do mesmo jeito que vinha fazendo: jogando Twisted Metal. Eu estava me tornando uma máquina de obliteração com o caminhão de sorvete infernal de Sweet Tooth. Mas meus pais tinham outros planos para a noite, mais especificamente, de irmos ao circo que havia chegado à cidade, e todos estavam adorando.
Contrariado, tive que jogar só mais umas cinco horas de Twisted Metal antes de sair de casa, e essa, que acabaria se tornando meu último contato com o game, se provou uma experiência muito diferente do que eu estava tendo.
Jogando na fase Arena, a primeira da história do jogo, comecei a minha ronda destrutiva e percebi que algo de errado não estava certo com Sweet Tooth. A cabeça de palhaço que ficava em cima do caminhão de sorvete parecia distorcida, e mesmo o sorriso malicioso que sempre estampava o rosto do personagem tinha um ar mais perverso, quase que consciente.
Assim que destruí o primeiro adversário, a cabeça de palhaço acima do meu veículo se descontrolou, e começou a girar insanamente rápido, emitindo um som bizarro na televisão. Não era bem uma risada, mas tinha traços de uma gargalhada de criança misturada com choro e antecipação.
Fiquei um pouco assustado, mas o gameplay viciante de Twisted Metal me manteve focado na destruição dos inimigos, apesar de sempre interrompido pelos barulhos assustadores que o palhaço fazia a cada adversário eliminado. Terminei a primeira fase e não senti vontade de seguir jogando. Me levantei para desligar o PS1, mas algo na tela me fez congelar.
A câmera tinha bugado, e estava muito próxima do caminhão de sorvete. O rosto demoníaco de Sweet Tooth era a única coisa em foco na tela. O cabelo do palhaço bruxuleava de maneira hipnótica, me prendendo no lugar, completamente dominado pela imagem do personagem.
Foi aí que a câmera do jogo simplesmente se afastou do close em Sweet Tooth, o suficiente para mostrar o restante do caminhão, para que eu pudesse ver a porta se abrindo, e o palhaço que pilotava o veículo surgiu em todo o esplendor maligno que emanava daquele sorriso.
Ele veio se aproximando lentamente da câmera, segurando uma enorme faca serrada na mão direita, e com tremeliques insanos no pescoço, que fazia a cabeça inteira balançar freneticamente. Quando ele finalmente preencheu a tela com a máscara branca tomando as atenções para si, o sorriso se desmanchou em uma boca frouxa, revelando dentes apodrecidos e uma escuridão inimaginável na garganta.
A gargalhada endemoniada de antes, que preenchia meu quarto a cada eliminação em Twisted Metal estava ainda mais retorcida, formando uma presença torpe, faminta, que parecia lamber a boca de excitação por algo vivo.
Ainda paralisado, vi o palhaço limpar um fio de baba que escorria pelo canto daquela boca imunda e levantar um objeto para que ele aparecesse na imagem.
“Quer um sorvete, garotinho?”, ele perguntou em uma voz estridente.
Soltei um berro e praticamente agredi o botão de ligar e desligar a TV, apagando a imagem tenebrosa de uma vez por todas. Larguei o controle do PS1 no chão, e disparei em direção à cozinha, em busca da proteção da minha mãe, mas disfarçando o que havia acontecido, com medo de perder acesso ao videogame.
Horas depois, chegamos ao estacionamento de um mercado onde o circo estava estabelecido. Estava lotado, dezenas de barraquinhas com atrações temáticas e uma tenda enorme, no fundo do complexo, onde haveria uma apresentação especial ao fim da noite.
Encantado com a magia circense, andei pelo local boquiaberto, olhando de um lado a outro, incapaz de manter o foco em uma atração por muito tempo. Até que uma barraquinha em especial brilhou mais intensamente que as luzes ofuscantes que iluminavam aquele estacionamento.
Era daquelas bem características, onde precisamos acertar uma bola em alvos para conseguir prêmios específicos. Comprei uma ficha, e recebi três chances para arremessar as esferas. Nas duas primeiras, falhei miseravelmente, mas na última, parecia ter usado uma mira telescópica, e derrubei o menor e mais difícil dos pontos destacados na barraca.
O dono da barraca, espantado com a precisão, disse que era a primeira vez que alguém conseguia acertar aquele alvo, e que o prêmio era um passe ilimitado para as atrações do circo até o final daquela noite.
Saí de lá radiante, decidido a experimentar literalmente tudo que o circo tinha a me oferecer. Fui no carrinho de bate-bate, bati com o martelo gigante no chão, comi muito algodão doce, e, pouco antes de dar a hora da atração principal, cheguei a uma barraquinha mais afastada do tumulto, que tocava uma musica diferente da que tomava conta do estacionamento.
Era uma espécie de cantiga de ninar, daquelas que ganham vida em caixinhas de música, com bailarinas dentro. Ela vinha de dentro da barraca escondida nas sombras de uma roda gigante, e tinha um sorvete gigante estampado no alto.
Me aproximei e me incomodei com o fato de que o vendedor estava maquiado de palhaço. Resolvi desistir do picolé e voltei para perto de meus pais. O alto-falante do local estava anunciando o início do show em 10 minutos.
Antes de entrar na tenda maior, disse que precisava ir ao banheiro, e meu pai me acompanhou até o local específico, mas acabou entrando em uma conversa com um amigo, enquanto eu resolvia minhas necessidades.
Entrei no banheiro, daqueles químicos, de plástico azul, que obviamente estava uma imundice total. Ao fechar a porta, imediatamente o som do circo foi cortado, e me senti sufocado pelo completo silêncio que dominou o ambiente.
Na lateral esquerda do banheiro químico havia uma pequena abertura de formato retangular, com não mais do que três dedos de altura. De lá vinha a iluminação entrecortada de pisca-piscas, mas nada de barulho, o que não fazia o menor sentido.
Concentrado na minha missão, determinado a terminar logo para sair daquele banheiro incômodo. Eis que o breu tomou conta da cabine. Algo estava tampando a abertura na lateral, bloqueando a luz. Lentamente, um nariz vermelho se formou ali, logo acompanhado de um sorriso frouxo e doentio, e do primeiro som que consegui ouvir ali dentro: uma gargalhada macabra.
Tremendo, e molhando tudo dentro do banheiro, fechei o zíper da calça e tentei sair dali. Mas é claro que a porta não abria, e o palhaço do lado de fora parecia brincar comigo, saltitando ao redor da cabine, batendo com algo duro no plástico, transformando o lugar em um círculo maldito de risadas e pancadas.
De repente, tudo ficou quieto novamente, e o escuro mais uma vez tomou conta do banheiro. O palhaço havia colocado a boca fétida na abertura lateral, jorrando um odor pungente e lancinante, que pinicava na pele e ardia os olhos, tão forte que sobrepunha o terrível cheiro de urina do lugar.
Com um grito por ajuda preso na garganta, comecei a ouvir uma respiração ofegante, tremida, e um gotejar ritmado vindo do buraco retangular na lateral do banheiro. Foi então que ouvi, bem baixinho, mas extremamente perturbador, o palhaço falando comigo: “quer um sorvete, garotinho?”…
APROVEITE PARA CONFERIR OS VÍDEOS E O CANAL DO YOUTUBE DA GAME ARENA. NESTE VÍDEO, FAÇO UM REVIEW DE MORTAL KOMBAT 1:
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