E assim teve início minha relação com Zelda…
Rio de Janeiro, março de 2002, pelo pátio de um colégio neo-iguaçuano caminhava o pequeno e suado Pedro Scapin de 10 anos, carregando consigo um Game Boy injetado com a polêmica Pokémon Crystal de outrora (quem leu o TBT, sabe!). Antes do terrível final que me aguardava em Johto, passava os recreios da melhor forma que um nerdola sabe: isolado num sombrio canto da escola. Mas, na história de hoje, o local de partida foi na quarta de cinco cabines do banheiro.
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Atendendo ao chamado, me dirigi ao banheiro que ficava mais recluso na escola, longe das crianças barulhentas e insanas no pátio. Este se situava no terceiro andar do complexo, próximo à sala dos professores, e, consequentemente, uma região normalmente evitada pelos infantes locais. O ambiente estava vazio, e me deu a oportunidade de escolher em qual das cinco cabines disponíveis eu cederia às necessidades da natureza.
Para efeito de contexto, o banheiro em questão possuía uma construção em formato de um longo corredor, com pias e espelhos à esquerda, cinco cabines privadas, e mais três mictórios ao fundo, à direita. Entrei no espaço escolhido, tranquei a porta e segui com meus afazeres. Passada a rajada inicial, fiquei mais à vontade para ligar o Game Boy e seguir minha jornada em Johto.
Alguns segundos depois, para minha irritação, a porta do banheiro se abriu, lentamente, fazendo aquele barulho insuportável, um rangido característico de filmes de terror. Desliguei o volume do Game Boy e fiquei aguardando a pessoa fazer o que tinha para ser feito e se retirar, mas, bizarramente, quem quer que estivesse ali, escolheu a quinta e última cabine, justo ao meu lado, para se aliviar.
Nervoso, mas sem saber o motivo, resolvi seguir jogando Pokémon, pois estava no meio de uma importante batalha, contra Price, em Mahogany. Aquela foi uma disputa intensa, pois o maldito Piloswine me derrotava vez após vez, e eu já estava irritado. Em mais uma lapada de Blizzard, meu recém evoluído Feraligatr foi de arrasta pra cima, e, imerso no gameplay, esqueci do “vizinho” e exclamei “mas que inferno de porco de gelo!”, me referindo ao poderoso suíno do líder de ginásio.
Eis que a pessoa na cabine ao lado (daria um baita filme de terror esse título, hein?) deu uma risadinha e comentou: “tá sofrendo com o Piloswine também, né?”. Gelado, respondi com um “é” estremecido, meio embargado, e me xinguei internamente por ter esquecido da presença no banheiro. O silêncio que se formou a seguir foi sepulcral, e depois de alguns minutos, a descarga da quinta cabine foi acionada, me fazendo pular no assento da minha.
A pia em frente foi ligada, mãos se esfregaram rapidamente e se agitaram no inequívoco gesto de secar dos preguiçosos que não usam toalha ou papel. Após dois passos secos, a pessoa se dirigiu a mim novamente: “você precisa jogar o novo Zelda”. E foi embora, sem deixar quaisquer rastros de sua estadia.
Salvei o jogo e desliguei o Game Boy. Encerrei os trabalhos na cabine e saí de volta ao corredor do banheiro. Olhei direto no espelho em frente e vi meu reflexo lívido, mas algo além chamou minha atenção: a quinta cabine, de onde a pessoa falou comigo, estava com uma plaquinha pendurada. Nela, a palavra “INTERDITADO” parecia berrar uma proibição. Tremendo, tentei empurrar a porta, e ela simplesmente não abriu, estava completamente emperrada.
Mas como isso era possível? Aquela pessoa, entidade, sei lá, estava ali minutos antes. Tinha conversado comigo, dado descarga, e tudo mais. Eu tinha ouvido a pia e a indicação do Zelda. Apesar do escaldante clima de março, senti um frio sobrenatural tomar conta do meu corpo. Enfiei o Game Boy no bolso de trás da calça e saí correndo do banheiro, sem nem lavar as mãos.
Ao sair, quase fui com tudo na barriga de um professor que estava no corredor. Sem nem levantar a cabeça, pedi desculpas e segui embalado para longe dali. Precisava criar o máximo de espaço possível entre mim e aquele banheiro. O sinal tocou e fui direto para minha sala, esquecendo totalmente de lanchar no recreio.
No final de semana seguinte, meu pai chegou em casa com um embrulho quadrado. Sorrindo, rasguei o papel de presente e, senti meu corpo travar. Era uma caixinha vermelha, com um loiro de capuz verde e um cajado em mãos. The Legend of Zelda: Oracle of Seasons se sobrepunha a um fundo dourado. Vendo minha falta de reação, meu pai disse: “O que foi, não gostou? O dono da loja disse que te conhecia, e que você precisava jogar o novo Zelda…”.