Final Fantasy X me ensinou a dar valor às pequenas vitórias
Rio de Janeiro, julho de 2002. Um mancebo Pedro Scapin fazia um passeio com os pais em um shopping qualquer da Cidade Maravilhosa. Depois de intermináveis visitas a lojas de departamento, e, consequentemente, infinitas horas provando roupas contra minha vontade, finalmente me dirigi à praça de alimentação do local, ansioso por devorar um lanche feliz daquela famosa rede de fast food norte-americana.
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No caminho, no entanto, passei por uma armadilha tecnológica travestida de loja de brinquedos e games. Na porta, um recorte de papelão em tamanho real mostrava uma bela jovem de olhos heterocromáticos numa pose que simulava um rodopio de braços abertos, com os cabelos ao vento. Me aproximei para ver do que se tratava e descobri que era o mais novo Final Fantasy, uma série que, na época, não me atraía muito, pelo estilo de turnos e gráficos menos polidos.
Mas ali eu encontrei algo que parecia ser diferente. Por algum motivo, senti crescendo em mim uma vontade inédita de jogar Final Fantasy. A despeito das reclamações e alertas de meu pai sobre não ter dinheiro para comprar um jogo, entrei na loja e pedi para ver mais “do jogo da moça ali fora”. Sorrindo, a atendente me levou ao balcão e mostrou uma capa muito bonita, com uma imagem de fundo do céu e do mar, e um cara loiro portando uma baita espada nas mãos.
Com brilho nos olhos, me virei na direção dos meus pais, já pronto para pedir pelo jogo, mas rapidamente fui cortado por um “depois a gente volta, vamos lá comer primeiro”. Mesmo com meros 11 anos, já sabia o que aquilo significava. Não teria retorno à loja, muito menos a compra do Final Fantasy X que eu tanto queria.
Alguns meses se passaram, e num belo dia de outubro, enquanto chegava na escola, encontrei com um amigo da mesma sala, e ficamos conversando sobre jogos antes de a aula começar. Papo vai, papo vem, ele saca da mochila nada mais, nada menos, do que um Final Fantasy X de PS2 cheirando a novo. Peguei em mãos a capa e imediatamente o sentimento que tive na loja, semanas antes, se apoderou de mim novamente.
Vendo minha empolgação, meu amigo disse que se eu quisesse, ele me venderia o jogo. Respondi que só tinha o dinheiro do lanche, mais alguns trocados que sobraram no fundo mochila de outros dias de escola. Que um lançamento daqueles de Play 2 deveria ser muito caro.
Um disclaimer: esse menino era de família rica, daqueles que não sabem muito bem o valor do dinheiro ou das coisas. E, neste caso, era filho de pais que trabalhavam muito, mal ficavam em casa com ele, uma rotina de muitos brasileiros. De volta à história…
Sacudindo a mão em um gesto de desdém, ele disse que não importava se era lançamento. Pra ele já estava velho, uma vez que já tinha zerado o game. Então falou que tinha saído de casa às pressas depois de acordar atrasado, e esqueceu de pegar dinheiro. Me perguntou se eu gostaria de trocar o Final Fantasy X por um corte de cabelo no salão próximo à escola. Fiz as contas na cabeça, somei o que tinha nas mãos e na mochila, uns 22 reais, e imediatamente apertei a mão dele para fechar o negócio.
Eu me senti o maior sortudo do mundo, já que o Final Fantasy X deveria custar pra lá de R$ 200 naquela época, e ele ficou feliz de poder cortar o cabelo na saída do colégio, e chegar em casa arrumadinho para esperar os pais. Na vida a gente às vezes procura dar valor somente a situações grandiosas, e acaba negligenciando momentos menores, mas que para certas pessoas, têm um peso inestimável.
Voltei para casa, subi correndo as escadas para meu quarto, lancei o Final Fantasy X no PS2 e encontrei nele não só o meu jogo favorito da franquia até hoje, mas uma porta de entrada para RPGs de turno, coisa que nenhum outro game tinha sido capaz de fazer.
Hoje, sou adepto fervoroso do gênero, e sigo sonhando com um remake de Final Fantasy X “com os gráficos dos filminhos” que tinham nas cutscenes do jogo. Assim como Tidus se tornou realidade através dos sonhos dos Fayth em FFX, quem sabe o meu desejo também não se realiza…