As viagens temporais de Chrono Trigger foram muito além do esperado
Rio de Janeiro, dezembro de 1999. O jovenzinho Pedro Scapin estava se preparando para mais um Natal, ansioso por presentes e surpresas que o aguardariam naquele ano. E foi exatamente na virada do dia 24 para o 25 que as coisas tomaram um rumo completamente inexplicável.
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Mas, antes disso, precisamos voltar ao início do mês, quando pus as mãos em uma cópia de um certo RPG, que já havia feito sucesso no Super Nintendo, e, somente em 1999, chegou ao glorioso console cinzento da Sony. Chrono Trigger me encantou de uma maneira absurda, e dominou completamente meu PlayStation.
Foram horas, e mais horas, e mais um pouquinho de horas, ao lado de Crono, Marle, Lucca, Robo, Magus, e, o meu favorito, o sapo com o nome menos criativo da história dos games: Frog.
Porém, apesar de estar perdidamente apaixonado, naquela época, ainda era uma pequena criança, com menos de 10 anos nas costas, e, ao me deparar com o chefão final de Chrono Trigger, simplesmente encontrei uma barreira impenetrável, e nada do que eu fizesse me levava ao triunfo final.
Lavos, aquele parasita maldito, gargalhava em meus pesadelos, onde eu revivia, incontáveis vezes, as derrotas que sofria em Chrono Trigger. Eis que, um belo dia, fui ao mercado, acompanhando meus pais, e, como de costume, parei na lojinha que vendia revistas e jornais, não exatamente um jornaleiro, mas um jornaleiro gourmet, se é que me fiz claro.
Lá, encontrei uma revista, um tanto surrada, que estampava, na capa, uma belíssima arte de Chrono Trigger, com uma única palavra, em letras garrafais, que conquistou minha atenção: DETONADO. Pedi ao moço da loja para reservá-la para mim, e corri atrás dos meus pais, pedindo que comprassem o guia. Dito e feito! Saí do mercado com energias renovadas, esperançoso para descobrir como finalmente derrotar Lavos.
No carro, minha mãe pediu para ver a revista, e se assustou com o quão antiga e desgastada ela estava. Me deu um belo esporro por ter gasto dinheiro naquilo. Ignorando a falação, puxei o guia de volta e comecei a folhear calmamente, apreciando as imagens que estampavam as surradas páginas dele.
Em casa, corri para o quarto, pulei na cama, e mergulhei no estudo do detonado, lendo calmamente para entender certinho o que eu precisaria fazer para eliminar o safado do Lavos do planeta. Já era relativamente tarde da noite, por volta das 22h, e a empolgação com a revista acabou drenando minhas energias, o que me levou a tirar uma bela neneca, com o rosto caído por cima das páginas.
Abri os olhos, e me vi numa completa escuridão, no meu quarto. Conseguia identificar, vagamente, os contornos da minha cama, mas tudo além daquele limite se escondia no breu. Foi então que ouvi um farfalhar, vindo do canto mais distante do cômodo, e absolutamente todos os pelos do meu corpo se eriçaram, disparando uma incômoda carga de calafrios da cabeça aos pés.
Travado debaixo das cobertas, olhei para o lado, e percebi que o relógio da minha mesinha se cabeceira estava ligado. Era um bem clássico dos anos 90, branco (já meio amarelado), com um visor escuro e caracteres iluminados em vermelho. Além da hora, o aparelho também mostrava a data, que indicava ser 23:45, do dia 24 de dezembro. Mas aquilo não fazia sentido. Ainda faltavam duas semanas para o Natal.
Um movimento súbito na parte sombria do quarto chamou minha atenção. Tremendo, deixei apenas uma frestinha de um dos olhos aberta, e enxerguei o mundo meio distorcido, quase que vibrando. Uma forma mais escura que a própria escuridão surgiu, se arrastando pelo pé da cama, e esticou um braço grotesco, deformado, com ossos despontando para todos os cantos, na minha direção.
Completamente congelado de medo, arregalei os olhos, e vi uma mão peluda entrando no fraco feixe de luz emitida por uma frestinha de janela. Unhas imundas se aproximaram do meu rosto, mas pairaram um pouco antes do contato, agarrando a revista com o detonado de Chrono Trigger, puxando agressivamente o guia para a escuridão.
Sons guturais, misturados a um virar de paginas furioso vinham do breu. Uma espécie de uivo indicou que a criatura encontrou o que estava buscando, e, do nada, a revista foi arremessada em mim, batendo, aberta, no meu rosto. Uma lufada intensa de ar invadiu o quarto, e, ao afastar o guia dos olhos, vi que a janela, antes trancada, estava escancarada para a noite, a cortina tremendo desvairadamente mundo afora.
Me sentei na cama, e vi que a revista estava aberta exatamente na primeira das páginas que ensinavam a derrotar Lavos. Mas, uma série de cortes imprecisos, que pareciam ter sido feitos com unhas ou garras, desenharam na folha alguns números: 23:59. Institivamente, meu olhar foi arrastado para o relógio ao lado da cama, mostrando que faltavam apenas dois minutos para a meia-noite.
Voltei a atenção para a revista, buscando outros sinais deixados pela criatura que tinha visitado meu quarto minutos antes. Compenetrado, senti o ambiente escurecer ao redor do guia, e quando o relógio disparou o frenético alarme que indicava meia-noite, um rosto macabro surgiu repentinamente por cima de mim, abrindo uma boca impossivelmente enorme, com dentes avermelhados, mergulhando para ceifar minha vida.
Acordei ensopado de suor, procurando pela criatura, mas encontrei apenas o guia, colado ao meu rosto. Puxei a revista e a joguei para longe, pulando da cama para procurar a proteção de meus pais, em algum outro cômodo da casa. Um pássaro, grande e negro, estava pousado na janela, e crocitou de maneira agourenta na minha direção.
Os dias se passaram, e finalmente chegou o aguardado 24 de dezembro. Depois de uma farta ceia, regada a tender e rabanadas, desejei um Feliz Natal para meus pais, e fui deitar. Era perto de meia-noite, mas não iria aguentar esperar pela última virada de ponteiro no relógio.
Desabei na cama, de lado, e pude ver que o relógio indicava 23:45. Com um horror subindo pelo estômago, percebi que a escuridão completa tomava o quarto novamente. O farfalhar ao pé da cama, seguido pela revelação dos membros retorcidos da criatura, as unhas fétidas surgindo no fraco feixe de luz… Acordei com um susto, e vi, no relógio, que era dia 24 de dezembro. Um crocitar me fez pular mais uma vez, e o corvo de antes estava empoleirado na janela. O que estava acontecendo?
Saindo da cama, tropecei em algo, que foi deslizando até o corredor. Era a revista, aberta exatamente na página em que estava no pesadelo. Seria um sinal? Vivi aquele dia novamente, e, à noite, voltei para o interior do quarto, e tranquei a janela. Sentei numa cadeira próxima, e liguei PS1, ansioso para enfrentar Lavos uma outra vez.
No meio da batalha, seguindo os passos descritos na revista, fui surpreendido pelo alarme do relógio, anunciando a chegada da meia-noite, e por um bote violento da criatura horripilante, que cravou as garras imundas em meu pescoço, apertando com um ódio descomunal. Pouco antes de perder a consciência, e a vida, acordei novamente. Era 24 de dezembro outra vez…
Estava preso em uma espécie de loop temporal, que sempre me jogava novamente para o início da véspera de Natal, culminando com minha morte, na virada para o dia 25. Um estalo me fez perceber que uma outra constante nesse pesadelo infinito era a revista com o detonado de Chrono Trigger. A peguei nas mãos, e virei as páginas até chegar na parte do guia que sempre aparecia em minhas visões: a que ensinava a derrotar Lavos.
Lembrei que, no pesadelo, a criatura havia deixado uma marca, que mostrava o horário de 23:59. Será que eu precisaria derrotar Lavos antes da meia-noite? Li e reli o guia, tornando a estratégia para derrotar o grande chefão de Chrono Trigger intrínseca dentro de mim. Dispensei a ceia de Natal, e, como previa, às 23:45, o quarto submergiu no breu maligno de antes.
Liguei o PS1, e segui vorazmente os ensinamentos do detonado. Nervoso, suado, e tremendo, fui completando cada um dos passos, até que, finalmente, Lavos caiu. Olhei por cima do ombro, e vi que o relógio marcava exatamente 23:59. Respirando quase que convulsivamente, não consegui tirar os olhos daquele visor, ansioso pela virada para meia-noite. Um minuto que mais pareceu uma década.
Mas a meia-noite chegou, e, com ela, um alívio imenso. Não havia sido atacado pela criatura novamente. A maldição, ao que parecia, havia sido quebrada. Exausto, caí na cama, sem perceber que a revista estava por baixo da colcha, e adormeci quase que magicamente, sem sonhos ou pesadelos. Apenas um som embalava meu sono. Áspero, cortante, insistente… Um crocitar…