Reflexão sobre a antiga síndrome de vira-lata dos videogames
O ano de 2023 começou com personagens e universos dos jogos eletrônicos ocupando, de maneira muito contundente, o espaço de outras mídias e formas de arte. O sucesso estrondoso da série de The Last of Us e do filme Super Mario Bros. veio acompanhado de uma série de anúncios de mais adaptações para o futuro próximo. Videogames parecem ser a “bola da vez” da indústria do entretenimento, que já percebe sinais de cansaço nas adaptações de quadrinhos, que dominaram o cinema nos últimos 15 anos.
É comum que as pessoas que acompanham videogames há anos possam reagir a esse sucesso com um misto de orgulho e revanchismo. Falo de revanchismo porque, por muito tempo, o senso comum encarou jogos de videogame como um mero escapismo infantil, ou pior, como uma influência negativa na formação da juventude. Ver adaptações de jogos explodindo no horário nobre da HBO, ou arrecadando quase 1 bilhão em bilheterias pode parecer um reconhecimento necessário de que nossos jogos favoritos são mais ricos e importantes do que pareciam.
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Mas, será que videogames precisam mesmo da validação de outras mídias para definir melhor o lugar na sociedade como arte e cultura?
Um exemplo recente aconteceu com os quadrinhos, outra forma de arte que sempre sofreu muito, sendo infantilizada e menosprezada. A candidatura de Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras reviveu o debate sazonal sobre quadrinhos serem ou não literatura. Independente do cartunista merecer a honraria, parecia que uma confirmação da cadeira validaria quadrinhos como “algo mais do que são”, aos olhos de quem tem esse tipo de preconceito. Sem perceber que essa visão já coloca os gibis como algo inferior às obras literárias, como se precisassem desse espaço para realmente valer. Na minha opinião, pouco importa se quadrinhos são ou não literatura, porque ser uma história em quadrinhos deveria se bastar como forma de expressão e arte. E o mesmo precisa ser dito sobre os videogames.
Desde os anos 90 vejo comentários sobre jogos como algo “cada vez mais próximo do cinema”, ou “ficando tão bem escritos quanto livros”. Mesmo pessoas muito engajadas em difundir jogos como cultura e arte acabam caindo nessas comparações, na hora de defender um ponto. É como se o progresso tecnológico, com gráficos cada vez mais realistas, e a criação de histórias cada vez mais complexas fossem os passos necessários para cravar que, enfim, videogames chegaram lá – seja lá onde isso for.
Mas as comparações com cinema, teatro e literatura não dão conta de explicar por que o MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova York, incluiu Tetris e Pac-Man ao acervo em 2012. Nada nesses jogos pode ser comparado com um filme do Stanley Kubrick ou um conto de Conceição Evaristo, e está tudo bem nisso. Será que já estávamos “lá” nos anos 80? Será que essa forma de expressão artística e cultural tem outras particularidades que se bastam?
Perceba, o argumento aqui não é que videogames precisem ser menos cinematográficos ou literários para serem “mais arte”. O ponto é justamente que esse critério quantitativo não existe. Jogos são multifacetados e podem utilizar características de outras mídias para chegar em resultados incríveis, assim como quadrinhos também se fundem em diversos momentos com elementos da literatura. Mas esse intercâmbio e essa liberdade é apenas parte do que torna essas mídias tão significativas.
Videogames não precisam ser algo mais próximos de The Sopranos ou de 100 anos de Solidão para provar algum ponto. Videogames precisam apenas ser.
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