Speedruns apresentam mais uma forma de competição no mundo dos games
O mundo vive a era da popularização da cultura pop e gamer. Jogar se tornou parte do dia-a-dia da população, desde o ávido jogador, que passa horas em sua cadeira com encosto reclinável e assento de couro, até a vovó que já superou o nível 10 mil no Candy Crush. Mas, para alguns, superar os outros players se tornou muito mais que uma diversão casual daquela reunião de amigos, no sofá desgastado, batendo um multiplayer no Mario Kart 64, ou desfrutando de uma longa jornada em The Legend of Zelda: Ocarina of Time.
E, não, não são somente os atletas de Esports que tentam tirar o máximo de um jogo. Há ainda mais tempo desde que o mundo conheceu um dos mais antigos modos de competição no mundo do videogame, que ganhou popularidade na década de 2010, e está cada vez mais proeminente ao redor do mundo: as speedruns.
Speedruns consistem basicamente em terminar o jogo – ou alguma parte ou fase, depende da categoria – da forma mais rápida possível, em uma competição contra o tempo. Para isso, os atletas exploram todas as mecânicas possíveis para serem mais rápidos em suas tentativas de alcançar o título de mais rápido dentro do seu game.
Mas algumas speedruns são ainda mais impressionantes. Os runners, como são conhecidos os jogadores, quebram os jogos por completo, explorando glitches e erros de programação dos jogos, muitas vezes transformando um aclamado jogo em um monte de bugs e pixels sem sentido.
Hoje, o Game Arena vai apresentar alguns dos mais impressionantes recordes mundiais em speedruns, dando uma explicação breve sobre cada categoria, e contando um pouco da história de cada um dos tempos apresentados.
Super Mario 64 – 0 Star – 6 min, 27s, 380ms, por Kanno
Sim, é possível zerar Super Mario 64 sem pegar nenhuma estrela. Um dos maiores clássicos da franquia do encanador bigodudo foi quebrado ao ponto de que Mario pode simplesmente entrar no castelo da princesa Peach, derrotar Bowser 3 vezes e sair voando, sem entrar em nenhum dos quadros, em menos de SETE minutos! Tudo isso graças a uma das técnicas mais importantes da história das speedruns, o Backwards Long Jump – ou BLJ para os íntimos.
O BLJ consiste em usar o long jump, ou pulo longo, do Mario, aquele que o jogador vem correndo, aperta Z depois A para saltar com as pernas e os braços para a frente, porém, após o primeiro pulo, o player precisa segurar o analógico na direção contrária a do salto inicial, e apertar rapidamente, por várias vezes, o A para continuar saltando, sem soltar o Z em nenhum momento. É uma técnica complexa, o que faz do movimento ainda mais impressionante.
Mas por que frear o salto do Mario e fazê-lo pular para trás é tão importante assim? É simples. A mecânica de velocidade programada em Super Mario 64 tem um furo enorme na questão de limitação. Para evitar que o bigoda atinja velocidades acima do que foi planejado, o jogo aplica um decréscimo de velocidade quando o player atinge uma determinada quantidade de aceleração, mantendo-o constantemente em um limite aceitável.
O problema é que a limitação não foi aplicada como um freio. Ela simplesmente aplica uma quantidade negativa de velocidade ao personagem. No entanto, ao andar para trás, o jogo também considera que Mario está em velocidade negativa. Portanto, somando 2 + 2, se não há um limite para velocidade negativa, o maior membro da friendzone do mundo não tem limites para o moonwalk – quer dizer, para ganhar momento andando, ou saltando, para trás!
Com esse enorme ganho de velocidade, Mario passa a ser capaz de andar por entre as paredes e praticamente se teletransportar por entre o jogo, quebrando, inclusive, o loop da escadaria eterna, antes da derradeira luta contra Bowser. Sendo assim, o jogo pode ser concluído sem que o jogador adquira sequer uma estrela.
Confira a run de Kanno abaixo:
The Legend of Zelda: Ocarina of Time – Any% – 3 min, 54s, 566ms, por Murph_E
Ah, Ocarina of Time. Quantas memórias incríveis esse jogo transmite. Ligar o Nintendo 64 e passar semanas, meses, descobrindo os segredos mais escondidos de Hyrule, caçando Poes nos campos abertos, ouvindo o tema de Gerudo Valley. Que nostalgia! E essa nostalgia é sempre revivida quando se abre uma speedrun bem jogada, e um excelente jogador, como Murph_E, com muita habilidade, terminando o jogo em… espera… TRÊS MINUTOS?!
Sim, Ana Furtado, três minutos. The Legend of Zelda: Ocarina of Time foi debulhado em definitivo por speedrunners e programadores, e passou a, não só, ser considerado um jogo de velocidade, ou speed game na gíria, mas também um jogo de execução precisa e compreensão dos códigos de programação.
Descoberta em 2016, a SRM, ou Stale Reference Manipulation (Manipulação de Referência Estática), permitiu aos jogadores descobrir formas de reprogramar os comandos do jogo através do controle do Nintendo 64. Com isso, os runners descobriram formas de executar códigos arbitrários de programação e forçar o jogo a transportar o player diretamente… para a tela de créditos.
Não entendeu? Bom, mais fácil ver um vídeo, né? Então dá uma olhada no atual recorde mundial, de Murph_E!
Super Punch Out! – Blindfolded – 24 min, 09s, por zallard1
Ser rápido em um jogo é impressionante. Ainda mais quando esse jogo envolve tanta aleatoriedade quanto Super Punch Out!, do Super Nintendo. O jogo de boxe traz 16 lutas, com alguns dos mais variados – e, muitas vezes, trapaceiros – boxeadores do planeta.
No entanto, o maior speedrunner da história do jogo decidiu assumir um desafio ainda maior. Encarar Super Punch Out!, na maior maratona de speedruns do planeta, a Games Done Quick, com um tempero extra. O americano zallard1 decidiu zerar o game, da forma mais rápida possível, enquanto estava VENDADO!
O conhecimento de zallard1 sobre o jogo é tão impressionante que ele chega a acertar os tempos das lutas mesmo sem enxergar absolutamente nada. Olha esse absurdo de speedrun!
Goldeneye 007 – Surface 2 Agent – 46s, por Karl Jobst
Karl Jobst é uma lenda das speedruns do também lendário Goldeneye 007, de Nintendo 64, assim como do jogo irmão Perfect Dark, as duas franquias de jogos de tiro criadas pela Rare que dominaram o mundo nos anos 90.
Além de ter se tornado “o caçador dos recordes imbatíveis”, derrubando quatro das cinco mais antigas marcas no jogo de James Bond, Jobst tem runs que desafiam os níveis de precisão consideradas possíveis para humanos.
E um dos momentos nos quais o australiano mostrou mais claramente ser capaz de desafiar as leis da física aconteceu em 2018, ao estabelecer o recorde mundial na oitava fase do jogo, Surface 2.
No estágio, o jogador precisa invadir a sala de comunicação da antena, explodir os controles e simplesmente correr para entrar em um bunker do outro lado do mapa. Para isso, precisa-se de uma chave, escondida em uma das inúmeras cabanas espalhadas pela fase.
Para encurtar o tempo necessário para a conclusão, os jogadores descobriram que havia a possibilidade de se explodir os controles através da parede do prédio. Para isso, precisariam acertar uma mina no local exato do satélite onde eles estariam posicionados, e a explosão causasse o dano necessário para a explosão.
O que ninguém esperava era o fato de que Karl Jobst era capaz de, no melhor estilo Tom Brady, acertar a parece a uma distância insanamente grande. Confira abaixo o maior passe para touchdown da história.
Super Mario Bros. – Any% – 4 min, 54s, 798 ms, por Niftsky
Super Mario Bros. é, discutivelmente, o jogo mais popular da história. Lançado em 1985, o game vem sendo estudado há décadas por speedrunners, e se tornou um dos mais corridos de todos os tempos.
Tanta competição levou jogadores e estudiosos do mundo dos videogames a buscarem ferramentas para entender qual o limite humano para a execução perfeita de uma speedrun do jogo. 4 minutos, 54 segundos e 798 milissegundos.
E foi em 8 de agosto de 2022, 37 anos após o lançamento do jogo, que Niftsky provou ao mundo que é capaz de chegar ao limite humano, executando a speedrun perfeita de Super Mario Bros.
O mundo das speedruns é vasto. Neste exato momento, em algum lugar do mundo, um jogador pode estar na arrancada final para quebrar mais um recorde lendário, ou perdê-lo por um deslize de execução. Mas algumas delas, como as acima, serão lembradas por toda a eternidade.
