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Pikmin 4: afinal, o que é Dandori?

Pikmin 4: afinal, o que é Dandori?

Como Pikmin 4 está me ajudando a reorganizar minha rotina Videogames têm potencial não apenas para divertir ou contar boas histórias, mas também para incentivar certos pensamentos e comportamentos através das mecânicas envolvidas. Por exemplo, uma fase de Devil May Cry tende a valorizar a iniciativa e agilidade em confrontos diretos, enquanto um jogo como The Witness dará prioridade à capacidade de raciocínio lógico e abstração. 

Marcellus Vinicius •
09/08/2023 às 23h05, atualizado há um ano
Tempo de leitura: 8 minutos

Como Pikmin 4 está me ajudando a reorganizar minha rotina

Videogames têm potencial não apenas para divertir ou contar boas histórias, mas também para incentivar certos pensamentos e comportamentos através das mecânicas envolvidas. Por exemplo, uma fase de Devil May Cry tende a valorizar a iniciativa e agilidade em confrontos diretos, enquanto um jogo como The Witness dará prioridade à capacidade de raciocínio lógico e abstração. 

Hidetaka Miyasaki, criador e diretor da série Dark Souls, disse, certa vez, que pretendia passar uma mensagem com as mecânicas dos jogos da FromSoftware. A dificuldade das criações teria, como objetivo, mostrar para os jogadores que as adversidades podem ser superadas com foco e resiliência, mesmo que, a princípio, os obstáculos pareçam intransponíveis. 

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Tudo isso nos leva à pergunta: qual é a mensagem de Pikmin 4? Qual é o comportamento que as mecânicas do jogo procuram incentivar? A resposta, em alto e bom som, é Dandori.

O que significa Dandori?

Dandori é uma palavra japonesa que representa, basicamente, a arte de se organizar de maneira estratégica para concluir tarefas de forma mais prática e eficiente. O termo sempre foi usado pela equipe de desenvolvimento dos jogos de Pikmin para encaixá-los em algum gênero próprio. Para Shigeru Miyamoto, criador da série, Pikmin é um “jogo de Dandori”. 

É bem evidente que é preciso ser estratégico para se dar bem em Pikmin, mas acredito que Dandori significa algo mais do que simplesmente ser uma pessoa organizada. É mais sobre a maneira como abordamos e dissecamos os desafios na preparação para enfrentá-los. Não apenas pensar a abordagem prática, mas também mudar como nos sentimos em relação às tarefas. 

Voltemos às palavras de Miyamoto. Em uma recente e já famosa entrevista sobre as vendas da série, o lendário designer ponderou sobre o motivo de algumas pessoas acharem Pikmin muito difícil. “Para tentar evitar que os Pikmin morram, é necessário praticar o Dandori. Para mim, é isso que torna este jogo único. […] Passei muito tempo a ponderar como poderíamos transmitir estes pontos como ‘interessantes’ em vez de ’difíceis’”, disse Miyamoto.

Esse interesse genuíno pelas maneiras de resolver algo que, a princípio, pode ser bem intimidador. Acredito que está aí a chave da mensagem que Pikmin quer transmitir e, consequentemente, o caminho para entender o que é Dandori. 

Como o Dandori aparece no jogo?

Desde o primeiro jogo, Pikmin sempre foi sobre gerenciamento de tempo e recursos. O limite de 30 dias para encontrar todas as peças da nave sempre pareceu rígido demais para novos jogadores, mas isso acontece justamente porque ninguém da equipe de desenvolvimento do jogo esperava que alguém fosse conseguir na primeira tentativa. 

Os jogos da série envolvem muita tentativa e erro. O aprendizado que vem de forma bastante dura, geralmente envolvendo a morte de vários Pikmin, resulta em uma nova abordagem nas tentativas posteriores, planejando melhor os tipos de Pikmin, os caminhos, a ordem da exploração e das batalhas. Esse refinamento constante já é, em si, o tal Dandori. 

Uma Dandori Battle em andamento.

Em Pikmin 4, especificamente, esse processo foi bem otimizado com a mecânica de voltar no tempo, não apenas para o começo do dia ou da jornada, mas para alguns segundos ou minutos antes de algo ter dado muito errado. Uma espécie de Ctrl+Z para as burradas que fazemos durante o jogo.

Existe também um novo modo de jogo que, de modo nada sutil, foi batizado de Dandori Battle. Trata-se de uma disputa entre dois jogadores (ou um jogador e a CPU) para ver quem consegue recolher mais inimigos e tesouros em um determinado limite de tempo. Evidentemente, para se dar bem na missão é preciso usar, com inteligência e agilidade, os Pikmin à disposição, o que já justifica o nome da batalha.

Do jogo para a vida: o que o Dandori nos ensina?

Yuji Kando, diretor de Pikmin 4, disse, em uma entrevista para a série Ask the Developer, que concretizar uma tarefa de maneira inteligente gera uma satisfação que dialoga com qualquer pessoa, não apenas aquelas que são fãs de videogames. A intenção dele e da equipe de desenvolvimento do jogo sempre foi transmitir essa satisfação dentro de uma experiência mais lúdica, de maneira que esse interesse pudesse surgir espontaneamente na forma como encaramos os outros desafios da vida.  

“Percebemos que os jogos de gestão de tarefas oferecem uma sensação de concretização com a qual as pessoas que não jogam videogame também se relacionam”, disse Kando. “É como quando fazemos tarefas domésticas ou cozinhamos. Depois de nos habituarmos, começamos a pensar dentro da lógica Dandori e concluímos as tarefas de forma mais eficiente. Acho que esse processo é divertido”, concluiu o diretor. 

E como isso funcionaria na prática? Bem, eu sou uma pessoa bastante desorganizada, mas sempre adorei a série e estou viciado em Pikmin 4. Venho pensando em maneiras de aplicar o senso de planejamento que consigo demonstrar dentro do jogo em outras áreas da minha vida. 

Por exemplo, há anos pratico street dance e perdi muito do meu condicionamento físico durante o tempo de quarentena na pandemia. Pensar em todo o esforço para me recuperar é algo bem difícil, mas também pode ser, como disse Miyamoto, algo interessante de planejar e colocar em prática.

E aí me vem à cabeça como algumas etapas da rotina se aplicam a isso. A mais óbvia seriam os exercícios de fortalecimento na academia, claro. Mas e a disposição para sair de casa e ir até lá? É onde entre meu tempo de sono, minha alimentação, a divisão das tarefas do expediente para encaixar os treinos, e por aí vai. 

De repente, olhar para o quadro completo e pensar em cada uma das etapas foi ficando mais parecido com o processo de escolher quais tipos de Pikmin vou tirar da cebola, qual caminho é o melhor para chegar a um tesouro, ou como explorar os pontos fracos do chefe de uma caverna. 

E, no fim, percebo como tudo isso se relaciona com as palavras do Miyasaki sobre a dificuldade de Dark Souls. Geralmente as pessoas falam do potencial transformador dos jogos se referindo a algum detalhe da história, alguma mensagem mais direta no roteiro. Mas é fascinante como, apenas pelos sistemas e mecânicas, videogames conseguem transmitir mensagens bem contundentes.

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