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Pérolas da 10ª Arte – Pepsiman

Pérolas da 10ª Arte - Pepsiman

Um retrato dos anos 90 em azul, prata e vermelho Super-heróis representam um dos maiores fenômenos culturais do século 20. O conceito de super-herói pode ser definido como sendo um personagem fictício, capaz de notáveis proezas físicas, que usa suas habilidades em prol do interesse público. Pensamos nessas figuras como seres altruístas, que surgem de repente para interceder em nome dos anseios e necessidades do povo em tempos de crise.

Marcellus Vinicius •
11/04/2023 às 23h00, atualizado há um ano
Tempo de leitura: 6 minutos

Um retrato dos anos 90 em azul, prata e vermelho

Super-heróis representam um dos maiores fenômenos culturais do século 20. O conceito de super-herói pode ser definido como sendo um personagem fictício, capaz de notáveis proezas físicas, que usa suas habilidades em prol do interesse público. Pensamos nessas figuras como seres altruístas, que surgem de repente para interceder em nome dos anseios e necessidades do povo em tempos de crise.

Não fica explícito, porém, qual, exatamente, é esse interesse público defendido pelos heróis. Pode ser o resgate de um gato preso no topo de uma árvore. Pode ser a expansão do imperialismo dos Estados Unidos através da imposição dos seus valores sobre outros povos. E pode ser o consumo de um refrigerante sabor cola fabricado por um dos maiores conglomerados do planeta.

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Surge assim, Pepsiman, o super-herói que incorpora os conceitos de outro grande expoente do século passado: a publicidade.

Pepsiman

Pepsiman é um suposto super-herói cuja habilidade é suprir as necessidades da sociedade civil, transformando coisas em Pepsi. Não está muito claro como esses poderes funcionam. Talvez ele gere Pepsi do próprio corpo, o que seria o mesmo que oferecer os seus próprios fluídos corporais para as pessoas na rua. Enfim, o conceito é tão confuso quanto bizarro.

O herói dos refrescos industrializados aparece geralmente correndo ao encontro das pessoas necessitadas. Isso rende cenas de humor pastelão porque, por algum motivo, Pepsiman é consideravelmente estabanado, sempre trombando e tropeçando nas coisas em seu caminho.

Agora pense na junção de todos esses conceitos – super-heróis, propaganda, correria e pastelão – em um disco do PlayStation 1. É assim que nasce Pepsiman, o jogo.

Do que se trata

Desenvolvido pela KID e lançado para PlayStation em março de 1999, Pepsiman é um jogo protagonizado pelo carismático (?) herói dos comerciais que tem, como missão, levar latas de Pepsi para as pessoas. O jogo em nenhum momento tenta disfarçar sua natureza, incluindo propagandas de Pepsi entre as fases, todas protagonizadas por um solitário homem de meia idade que consome, compulsivamente, refrigerante e salgadinhos em um apartamento mal iluminado.

O misterioso homem de hábitos pouco saudáveis assiste e comenta o seu desempenho no jogo, como se as fases interativas fossem um programa de entretenimento para ele. O que cria uma relação cíclica com a pessoa que joga, que assiste a ele assistir ao que está sendo jogado. Somos marionetes, nos humilhando em desafios ridículos para divertir esse cidadão, ou ele que é a nossa recompensa por superar esses desafios?

Muitas questões, nenhuma resposta.

O que você faz no jogo

Pepsiman é um jogo de corrida de obstáculos que hoje seria chamado de “endless runner”, subgênero que ficou muito popular em jogos mobile com títulos como Temple Run e Subway Surfers. As corridas não são infinitas, porém. Cada fase tem uma linha de chegada que corresponde a algum objetivo específico, como salvar pessoas de uma queda de helicóptero no deserto, por exemplo.

Pepsiman corre sozinho e cabe a nós ajudá-lo a desviar de todo tipo de maluquice que aparece em seu caminho, de latas gigantes de Pepsi até manadas de búfalos enfurecidos. Para isso podemos movê-lo para os lados, mudar sua velocidade, pular por cima de buracos ou dar uma rasteira por baixo de obstáculos. Com esses elementos, o jogo vai explorando diferentes possibilidades na maneira como intercala os obstáculos e exige cada vez mais sua agilidade e coordenação motora.

Seria simples e até relaxante, se não fosse a sádica escalada de dificuldade. É brutal a maneira como, nas fases finais, o jogo exige que você transcenda os limites da experiência sensorial humana apenas para impedir que um ser musculoso usando collant de látex encontre a morte certa caindo em um abismo.

O impacto estético

A caixa do jogo (lançado apenas no Japão) traz Pepsiman apontando diretamente para você e ordenando “BEBA!” em letras garrafais. A imposição nos remete ao clássico pôster de recrutamento miltar utilizado pelo exército americano nas duas guerras mundiais que arrasaram o século passado.

Pepsiman

Parece que as pessoas envolvidas na produção e distribuição desse jogo sabiam que o jogo, sozinho, não seria suficiente para despertar em alguém o desejo de beber Pepsi. Na verdade, zerar Pepsiman durante a preparação para essa análise teve, em mim, o efeito reverso. Depois de horas fugindo de latas gigantes de Pepsi que tentavam me matar enquanto um homem misterioso se divertia às minhas custas, a última coisa que eu quero ver na minha frente é uma lata de Pepsi.

O que faz desse jogo, talvez, a pior propaganda de todos os tempos. Ou talvez, seria essa uma das melhores e mais sagazes críticas contra o consumismo irracional e compulsório do capitalismo tardio que já vimos nos videogames? É como eu disse acima, com um misto de indignação e fascínio: muitas questões, nenhum resposta.

Nos vemos na semana que vem com mais uma pérola da décima arte!

 

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