Dessa vez o Sub-Zero entrou numa fria…
Se investigarmos a fundo o conceito de criatividade, veremos que não se trata exatamente de criar algo totalmente novo. Nossa imaginação parece que se limita a trabalhar com ideias que já conhecemos. Ser criativo é mais sobre associar bem essas ideias de maneiras inusitadas. Juntar conceitos que até então não haviam sido combinados de determinada maneira.
Por exemplo, qual a relação entre plástico, congelador elétrico e suco de fruta? Note que essas são as ferramentas que permitiram que a espécie humana fosse capaz de conceber a iguaria vista na imagem abaixo.
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Há um fervoroso debate nas redes sociais em torno da nomenclatura dessa iguaria. Dependendo da região do Brasil, pode ser sacolé, gelinho, geladinho, chup-chup e por aí. Dificilmente veremos consenso em um futuro próximo. Fica a critério.
Mas, em qualquer lugar do Brasil, Sub-Zero é Sub-Zero.
É difícil pensar em um personagem de videogame com poder de gelo sem recorrer imediatamente à icônica figura do ninja com uma máscara PFF2 azul.
Os anos 90 foram o auge da popularidade do Sub-Zero e de Mortal Kombat. Também foi o período de maior sucesso de dois gêneros específicos nos videogames: plataforma em progressão lateral, como Mario, e luta em máquinas de fliperama, como Street Fighter e o próprio Mortal Kombat.
Por que, então, não juntar tudo isso? É disso que se trata a criatividade, certo? Podemos pegar o universo de Mortal Kombat e usá-lo em um jogo que une jogos de luta com plataforma, colocando o lutador abaixo de zero mais famoso dos videogames como protagonista.
O resultado é a pérola dessa semana, Mortal Kombat Mythologies: Sub-Zero. Um jogo que só pode ser perfeitamente compreendido quando mergulhados de livre e espontânea vontade na experiência que propõe.
Do que se trata
Mythologies é um spin-off de Mortal Kombat que foi lançado em outubro 1997. Ele se propõe a contar, com mais detalhes, a história do Sub-Zero, e também servir de prólogo para Mortal Kombat 4, que havia sido lançado poucas semanas antes, em setembro.
Foi a primeira vez que a franquia se aventurou em outro gênero fora dos jogos de luta, apesar de ter trazido boa parte dos elementos e mecânicas dos jogos de fliperama – o que, como veremos, foi uma decisão bem desastrada. O jogo foi bastante ofuscado por Mortal Kombat 4, por motivos até meio óbvios. Ele é um prólogo que foi lançado semanas depois (?) e teve a ingrata missão de competir com a estreia da série nos jogos totalmente 3D.
Agora, uma curiosidade bem inusitada: MK Mythologies Sub-Zero foi desenvolvido pela Avalanche Software, empresa que tem no currículo a adaptação para videogames do filme Carros 2, e que, mais recentemente, trabalhou no controverso Hogwarts Legacy. Um portfolio peculiar, no mínimo.
O que você faz no jogo
No papel de Sub-Zero, devemos invadir templos, explorar ruínas e descer às profundezas do submundo para desfazer uma asneira que ele mesmo começou, quando foi manipulado pelo feiticeiro Quan-Chi para buscar uns mapas e amuletos misteriosos.
É uma tarefa complicada descrever em palavras a penitência cósmica que é controlar Sub-Zero nesse jogo. Por tentar simular um jogo de luta, ele não usa um botão de pulo. Você pula apertando pra cima, o que pode (e vai) resultar em saltos involuntários. Pelo mesmo motivo, ele usa 4 (quatro) botões para golpes (chute fraco, chute forte, soco fraco e soco forte) e depende de comandos para realizar as magias, assim como na série clássica.
Isso cria um problema para o gênero plataforma que até então não tinha razão de existir: em um jogo de luta, seu personagem está sempre voltado na direção do oponente, mas aqui os inimigos podem vir da esquerda e direita ao mesmo tempo. A solução? Usar mais um botão para virar o Sub-Zero para o outro lado. Tudo isso transforma o sistema de combate em uma dança que você só pode executar mergulhado até o pescoço em uma piscina de gesso.
Junte isso a algumas das armadilhas mais alopradas da história dos videogames e você tem uma experiência que é, sem sombra de dúvidas, criativa. Mas a que preço?
O impacto estético
Confesso que, quando fui parar pra jogar Mortal Kombat Mythologies pensando nesse texto, minha expectativa era boa. “Não pode ser tão ruim”, pensou o Marcellus do passado, baixando a guarda, justamente quando seria crucial manter suas defesas em alerta máximo.
Sabe quando você mistura vários ingredientes aleatórios em Zelda e joga na panela? Olho de morcego, cogumelo, carne de javali e uma pedra que brilha no escuro. O resultado, de acordo com o jogo, é uma “comida duvidosa”.
Mortal Kombat Mythologies: Sub-Zero é essa comida duvidosa. Você consegue identificar os ingredientes usados ali, e concorda que isoladamente eles são saborosos. Mas a combinação dá tela azul nas papilas gustativas da sua língua. É até difícil de dizer se gostou ou não. Seu corpo apenas entende que ALGO aconteceu ali, sem muita referência de como deveria reagir a isso.
Depois de concluir a segunda fase, senti que a experiência tinha me ajudado a expiar todos os meus pecados, ressignificar meus arrependimentos e reorganizar meus afetos. A sensação de superação ao vencer o chefe depois de 48 tentativas e um password de vidas infinitas foi, devo admitir, algo parecido com diversão.
Talvez ainda não exista uma palavra para descrever esse jogo, assim como não há consenso sobre o nome certo do sacolé. Na zona norte de São Paulo, então, podemos chamar Mortal Kombat Mythologies: Sub-Zero de gelinho. Fica a critério.
Nos vemos na semana que vem com mais uma pérola da décima arte!