Videogames são estranhos.
Veja o exemplo de Mario, o mascote mais famoso que temos: é um encanador italiano de meia idade que pula na cabeça de tartarugas tentando defender a princesa de uma reino monárquico onde todo mundo tem cabeça de cogumelo, menos ela. Mas como esse personagem foi estabelecido já nesse contexto e faz parte da cultura popular há décadas, tudo isso se torna familiar. Aceitamos e seguimos adiante.
Mas mesmo se aceitarmos a natureza excêntrica dos jogos, existem aqueles que se destacam no vale do inusitado. É para lembrar e reconhecer essas obras que deram um passo além que estreamos a coluna Pérolas da 10ª Arte! Aqui não é o bastante ser estranhamente criativo, porque essa é a norma. É preciso ser pitoresco a ponto de fazer cócegas no nosso cérebro.
Por exemplo, voltando ao nosso amigo Mario. E se o tirássemos do já estabelecido Reino dos Cogumelos e colocássemos ele na cidade de Nova Iorque debatendo com transeuntes sobre a importância do King Kong para o Empire State? Esse é o tipo de conteúdo que nos interessa aqui.
E é exatamente isso que Mario is Missing faz.
Do que se trata
Mario is Missing é um jogo educacional, o que nos anos 90 era o mesmo que dizer que é um jogo chato. Foi desenvolvido pela extinta Software Toolworks e a única coisa que a Nintendo fez no jogo foi liberar seus personagens para avacalhação alheia.
A ideia da parceria era usar a popularidade dos videogames entre os jovens para promover conteúdos educacionais sobre história e geografia, usando a icônica figura do Mario como isca. Mario is Missing é o primeiro resultado desse projeto, e foi lançado em 1992 para MS-DOS, com versões para Nintendo, Super Nintendo e Macintosh saindo nos anos seguintes.
A versão que estou considerando aqui é a de Super Nintendo, que era a mais acessível – e uma notória cilada – nas locadoras brasileiras, lá pela metade da década de 90.
O que você faz no jogo
Na história, o vilão Bowser decidiu inundar o planeta Terra usando vários secadores de cabelo para derreter as calotas de gelo da Antártida (sério). Mario, Luigi e Yoshi decidem impedi-lo, mas Mario é capturado e Luigi precisa tocar a missão por conta própria daí em diante.
Mas antes de ir atrás de Mario e do próprio Bowser, Luigi precisa visitar várias cidades famosas do nosso mundo para recuperar itens famosos, que remetem a importantes pontos turísticos da Terra. Bowser enviou vários Koopas pra roubar esses itens, na intenção de vendê-los depois. Vender pra quem, você me pergunta? Boa pergunta, pois teoricamente os continentes serão engolidos pelo oceano, inviabilizando a continuidade do sistema capitalista. Mas tudo bem, mero detalhe.
Na prática você controla o Luigi usando portais, em um castelo no gelo, que levam para essas cidades famosas. Lá, você conversa com a população local para entender qual item desapareceu, o que te dá uma pista da cidade em que você está, ensinando geografia básica para a nação nintendista.
Um ponto importante é que Mario is Missing foi o primeiro jogo protagonizado pelo Luigi em qualquer console da Nintendo. Isso quase 10 anos antes do lançamento do Nintendo GameCube com Luigi’s Mansion. Tem que respeitar!
O impacto estético
A força de Mario is Missing está na fusão de elementos completamente distintos que, em um primeiro momento, parecem não funcionar muito bem juntos – e jogando percebemos que não funcionam mesmo. É a bagunça mental de ver Luigi nas ruas do Rio de Janeiro pedindo informações para a truculenta polícia carioca enquanto um Koopa de casco vermelho passeia tranquilamente pela mesma calçada.
É a elaborada armadilha de licenciar alguns dos personagens mais populares do mundo para atrair, para os estudos, crianças e adolescentes que atrasam a lição de casa para ficar jogando videogame. E se as tarefas do jogo não tiverem absolutamente nada a ver com o tema da lição de casa? E se a empreitada traumatizar todo mundo que alugou esse troço, achando que veria uma sequência de Super Mario World com o Luigi de protagonista? Bem, são riscos que a Software Toolworks estava disposta a correr por um mundo melhor.
Mario is Missing teve ainda uma sequência chamada Mario’s Time Machine, sobre a qual certamente ainda falaremos aqui nessa coluna. Por hora, fique com a imagem do Luigi montado no Yoshi perguntando para a princesa Peach por que a estátua do Cristo Redentor está fechada.
Nos vemos na semana que vem com mais uma pérola da décima arte!