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Pérolas da 10ª Arte – Hey You, Pikachu!

Pérolas da 10ª Arte - Hey You, Pikachu!

Como a imaginação pode melhorar um jogo que não jogamos Durante a virada do milênio, vivemos o auge do que costumamos chamar de “febre Pokémon”. Claro, Pokémon é um fenômeno global até os dias de hoje, mas havia algo de diferente na época na qual a humanidade ainda estava assimilando, pela primeira vez, esse universo.

Marcellus Vinicius •
15/08/2023 às 23h01, atualizado há um ano
Tempo de leitura: 8 minutos

Como a imaginação pode melhorar um jogo que não jogamos

Durante a virada do milênio, vivemos o auge do que costumamos chamar de “febre Pokémon”. Claro, Pokémon é um fenômeno global até os dias de hoje, mas havia algo de diferente na época na qual a humanidade ainda estava assimilando, pela primeira vez, esse universo.

Falando especificamente do Brasil, tivemos álbuns de figurinhas, tazos de salgadinho, garrafinhas de Guaraná, uma revista especializada e até mesmo um videoclipe com uma música inédita da Eliana. Pelo menos metade da galera na escola tinha decorado os nomes de todos os 151 monstrinhos, e Pikachu era mais famoso que o então presidente Fernando Henrique Cardoso. 

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Poucos anos antes, uma outra mania havia dominado o imaginário da sociedade civil, especialmente das crianças: os Tamagotchis, ou simplesmente bichinhos virtuais. A ideia de criar um amontoado de pixels monocromáticos como se fosse o melhor amigo que já tivemos parecia particularmente tentadora.

Não demorou para que as duas coisas se juntassem em uma só. Um bichinho virtual portátil do Pikachu parecia reunir o melhor dos dois mundos, mas a Nintendo era uma das principais fabricantes de consoles e jogos do mundo. Por que se limitar a uma telinha minúscula de cristal líquido se poderíamos ter o Pikachu colorido, em três dimensões, na TV de casa?

É assim que surge Hey You, Pikachu, que integra, junto com Papers, Please, a seleta lista de jogos com vírgula no título que bagunçam parágrafos em qualquer texto sobre games.

Do que se trata

Lançado para o Nintendo 64 em novembro de 1998 no Japão e apenas 2 anos mais tarde nos Estados Unidos, Hey You, Pikachu é um simulador de animal de estimação com o icônico rato elétrico no papel principal. Esse foi o jogo de estreia da desenvolvedora Ambrella, que, desde então, trabalhou exclusivamente em spin-offs de Pokémon.

Hey You, Pikachu precisa de não apenas um, mas dois acessórios bem específicos do Nintendo 64: o Voice Recognition Unit (VRU), um dispositivo de reconhecimento de voz próprio do console, e também um microfone compatível com o apetrecho.

Tudo isso porque o grande diferencial do jogo está na oportunidade de conversar com o Pikachu. Sim, a ideia é soltar a voz e dar ordens diretas para um rato elétrico poligonal na TV. Obviamente, apenas instruções em inglês serão compreendidas por ele – e olhe lá. 

A título de curiosidade, em toda a história do Nintendo 64, apenas um outro jogo também fez uso do VRU: Densha de Go! 64, um simulador de transporte público, lançado apenas no Japão.

O que você faz no jogo

No papel de uma criança que está sendo testada pelo professor Carvalho (vulgo Oak), o jogador deve interagir com um Pikachu selvagem e, se possível, fazer amizade com ele, descobrindo mais sobre a rotina, os gostos e amizades dos pokémon locais. 

Na prática, tudo não passa de um bichinho virtual glorificado, com gráficos melhores e a opção de interação com microfone. Para diversificar um pouco a experiência, existem vários minigames, que exigem uma boa comunicação com o Pikachu. Por exemplo, às vezes é preciso orientá-lo para pegar determinadas frutas, ou andar em uma direção específica.

  

A grande ironia é que o microfone foi muito mal otimizado para o inglês, e grande parte das instruções são ignoradas ou incompreendidas. Ou seja, o jogo depende de uma boa comunicação com o Pikachu, através de acessórios extremamente específicos do console, e essa comunicação nunca fica boa o bastante justamente pelas limitações desses mesmos acessórios. 

Pelo menos é o que as pessoas que jogaram alegam, porque eu nunca tive a oportunidade de jogar de fato. O que nos leva a outra reflexão… 

O impacto estético

Hey You, Pikachu pode ser considerado a antítese de Seaman, do Dreamcast. Enquanto o jogo do peixe com rosto humano satirizava a febre dos bichinhos virtuais para fazer comentários sociais e filosóficos que vão muito além da proposta inicial, a versão de Pokémon se limita a fazer exatamente aquilo que a premissa diz, e ainda faz isso com desempenho meio capenga. 

E aqui, aproveito o espaço para compartilhar uma experiência pessoal com o jogo. A já citada febre Pokémon chegou para mim mais ou menos na mesma época em que percebi que estava ficando mais fluente em inglês. Eu nunca fiz curso, nem tive nenhuma preparação especial para o idioma. Apenas jogava muito videogame, com um dicionário do lado e, quando dei por mim, já sabia mais do que imaginava.

Quando soube, através de revistas, que existia um jogo onde podíamos conversar em inglês com o Pikachu, minha imaginação decolou. Ora, eu sabia falar o básico de inglês e sabia tudo o que havia para se saber sobre os monstros de bolso. Era o jogo perfeito no momento ideal. 

Infelizmente, nunca tive a oportunidade de jogá-lo. As locadoras no bairro onde eu morava perceberam que o título seria bem frustrante para a clientela, pela acentuada barreira do idioma. Hey You, Pikachu permaneceu, por anos, apenas na minha imaginação. E, hoje percebo, talvez tenha sido melhor assim. 

É curioso que um jogo que eu nunca joguei tenha me marcado tanto. No cartucho, propriamente, não existem muitas opções. Ficamos repetindo a mesma frase várias vezes em vão e podemos, eventualmente, jogar minigames curtos sem muito propósito. Mas, na minha imaginação, as possibilidades eram infinitas. 

A amizade que fiz com o Pikachu poligonal na minha cabeça, apenas lendo edições da Nintendo World, transcende tudo que esse jogo poderia ter me oferecido. Hey You, Pikachu está na seleta lista dos jogos mais marcantes que eu nunca joguei, e não me importo muito de permanecer assim.

Mas se alguém tiver um VRU e a fita de Nintendo 64 para emprestar, favor entrar em contato.

Probabilidades em alta

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