Por que é prejudicial avaliar o custo-benefício dos jogos pela duração
Tem sido comum ver comentários sobre a quantidade de grandes lançamentos em 2023. Só nas últimas semanas, The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom liderou os lançamentos, seguido por Street Fighter 6 e Diablo 4. Para o mês de julho, Final Fantasy XVI dominará os holofotes no PlayStation 5, enquanto o bonde do Nintendo Switch poderá virar a chavinha para Pikmin 4 – se conseguir completar Zelda até lá, claro.
Não faltam jogos de qualidade, com muito conteúdo, para fazer desse um dos melhores anos dessa indústria. O que falta é tempo para conseguir jogar tudo direito. Apesar disso, a estratégia de marketing de boa parte dos jogos de grande investimento segue na direção de valorizar a quantidade de conteúdo oferecido, muitas vezes em detrimento da qualidade.
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Veja o exemplo de Starfield, nova obra da Bethesda, que será o mais importante lançamento de Xbox do ano. O vídeo de gameplay divulgado durante a Xbox Showcase 2022 ostenta, com orgulho, a informação de que o jogo contará com mais de 1000 (MIL) planetas para serem explorados. Isso sem falar das opções de customização e das eventuais missões paralelas espalhadas pelo universo do jogo.
Eu me pergunto, sinceramente, se essa é uma informação realmente animadora para alguém, quando você esquece o número frio e pensa no funcionamento da coisa na prática. Mesmo 100 planetas já seria um número impactante. É realmente animador saber que o jogo tem um volume de conteúdo que poucas pessoas, em meio às outras demandas e responsabilidades, terão a oportunidade de conferir na íntegra?
Não é difícil entender por que esse tipo de abordagem é popular nas estratégias de marketing. Jogos são caros, mesmo considerando a realidade de países mais ricos do que o Brasil. Mas, na nossa realidade, isso é ainda mais pesado. A ideia de gastar um quarto de salário mínimo por algo que pode se esgotar em um final de semana pode ser bem desestimulante. Mas isso não significa que o dinheiro foi melhor investido só porque o jogo exigiu mais de 80 horas para ser completado.
Talvez uma mudança de perspectiva seja muito importante, quando falamos da nossa experiência com videogames. Em vez de avaliar a quantidade de horas em relação ao dinheiro investido, pode ser mais saudável pensar quanto do tempo dedicado ao jogo foi realmente proveitoso, e quanto consistiu apenas de tarefas genéricas, colocadas ali para inflar o conteúdo sem necessidade.
Talvez seja uma preocupação de quem está ficando velho – é duro admitir, mas estou mais perto dos 40 do que dos 30 – mas sinto que nossa atenção e nosso tempo vão ficando cada vez mais valiosos com o passar dos anos. E isso aqui não é, nem de longe, um raciocínio empreendedor da linha de “tempo é dinheiro”. Não tem nenhum problema em passar algum tempo ocioso com um jogo mediano se isso for gratificante pra pessoa (Nota do editor: inclusive, recomendo, dediquem tempo ao lazer!). Mas ninguém deveria se orgulhar de passar 60 horas em um título no qual pelo menos metade foi realizando tarefas repetitivas e desinteressantes, ainda mais quando as empresas estão usando esses números para alavancar as vendas.
E é por isso que jogos como Stray, Journey, To the Moon e Katana Zero são tão importantes. Eles não deveriam receber avaliações negativas ou pedidos de reembolso na Steam apenas porque se encerram em um final de semana. O mais importante é que, justamente por serem curtos, eles conseguem polir melhor cada detalhe do tempo que dedicamos a eles. Não é um problema que esse tempo seja curto, mas sim uma solução.
Existem, claro, jogos gigantescos que apresentam o mesmo cuidado e atenção aos detalhes. Mas, para cada Elden Ring ou Tears of the Kingdom, temos dezenas de mundos abertos completamente vazios e repletos de missões enfadonhas. É como disse o poeta: o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?
Acho justo defender a ideia de que merecemos mais. E esse ‘mais’, às vezes é menos.