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Jogos AAA e o ciclo do pedido de desculpas

Jogos AAA e o ciclo do pedido de desculpas

Analisando o padrão de jogos com lançamentos conturbados e cartas de retratação A indústria de jogos mainstream de alto orçamento costuma seguir algumas fórmulas famosas, que vão se renovando com o tempo. Já vimos a onda de jogos de zumbi, seguida de perto pelos simuladores de pai triste (The Last of Us, The Walking Dead, God of War). Acompanhamos de camarote também a proliferação de jogos difíceis com sistemas de exploração, risco e recompensa que remetem a Dark Souls, os chamados soulslike. Mas nenhuma dessas parece ser a maior febre do momento. 

Marcellus Vinicius •
01/06/2023 às 00h13, atualizado há um ano
Tempo de leitura: 7 minutos

Analisando o padrão de jogos com lançamentos conturbados e cartas de retratação

A indústria de jogos mainstream de alto orçamento costuma seguir algumas fórmulas famosas, que vão se renovando com o tempo. Já vimos a onda de jogos de zumbi, seguida de perto pelos simuladores de pai triste (The Last of Us, The Walking Dead, God of War). Acompanhamos de camarote também a proliferação de jogos difíceis com sistemas de exploração, risco e recompensa que remetem a Dark Souls, os chamados soulslike. Mas nenhuma dessas parece ser a maior febre do momento. 

A última grande tendência da indústria parece ser a de anunciar um jogo de um grande estúdio ou franquia, promovê-lo como se fosse a segunda vinda de Miyamoto, para, no fim, lançá-lo no mercado com uma apresentação geral muito abaixo do padrão de qualidade esperado. Após as evidentes reclamações da comunidade, vem a cereja do bolo: uma carta estilizada de pedido de desculpas e a promessa de corrigir os problemas nos meses seguintes. Nasce assim um novo gênero: o apologylike.

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Jogos AAA e pedidos de desculpas

Piadas à parte, é impressionante a frequência com que esse padrão se repetiu em jogos de grande expectativa e orçamento nos últimos anos. Depois de exemplos famosos como Fallout 76 e Cyberpunk 2077, mais recentemente, novos exemplos surgiram com Star Wars Jedi: Survivor, The Lord of the Rings: Gollum e a versão para PC de The Last of Us: Part 1. Considerando esse cenário, a ideia aqui é refletir sobre alguns dos motivos que criaram essa situação frequente.

Pegando o exemplo mais famoso, de Cyberpunk 2077, é bem evidente que a pandemia de COVID-19 impactou negativamente o fluxo de trabalho de inúmeros estúdios enormes, que precisaram adaptar sua estrutura à realidade da quarentena, e, em muitos casos, cortar parte da equipe. Isso levou a inúmeros adiamentos, lançamentos conturbados e uma certa prorrogação da geração anterior, com muitos jogos sendo lançados também para PlayStation 4 e Xbox One, enquanto o potencial dos novos consoles ainda parece bastante inexplorado.

Mas esse fator não dá conta de explicar o problema sozinho. Cada vez mais, fica claro que o modelo de negócio dos chamados jogos AAA, de grande orçamento, qualidade gráfica de ponta e mundos abertos megalomaníacos é inviável para a esmagadora maioria das desenvolvedoras. É um padrão imposto que, dependendo do tamanho da equipe, resulta em condições de trabalho precárias, horas extras abusivas (o chamado “crunch”) e prazos impraticáveis. 

Em paralelo a isso, temos os eventos como Summer Game Fest e The Game Awards promovendo teaser e trailers de projetos em estágios iniciais de lançamento, muitas vezes com um videozinho pré-renderizado que mal consegue demonstrar como funciona o conceito do jogo na prática. A expectativa das campanhas gera pressão das comunidades de fãs por mais novidades, que apertam ainda mais os prazos para a equipe de desenvolvimento. 

E aí vem a pergunta: por que lançar o jogo com qualidade insatisfatória, sabendo que esses problemas seriam solucionados com mais tempo? E a resposta é bem direta: lucro. Pegando o exemplo do próprio Cyberpunk, se a publicidade fez bem o seu trabalho e se o estúdio tem a confiança do público com títulos anteriores (no caso da CDProjekt, a trilogia The Witcher), as vendas iniciais serão altas mesmo com as avaliações negativas, até porque elas só aparecem quando o jogo já está em pré-venda há bastante tempo. 

A repercussão das críticas e do pedido de desculpas pode virar um “segundo lançamento” do jogo quando os principais problemas são, enfim, corrigidos, aumentando as vendas meses ou até mesmo anos após o lançamento inicial. Aconteceu não apenas com Cyberpunk 2077, mas também com No Man’s Sky e Final Fantasy XIV, por exemplo. Nesse cenário, a distribuidora pode até economizar com o setor de controle de qualidade, porque os beta testers são o público, que, em vez de receber, paga para jogar o título em estágios preliminares e dá o feedback nas redes em forma de críticas, vídeos e memes. 

A solução do problema passa por muitos fatores e não parece razoável esperar que todos sejam corrigidos em um futuro próximo. O debate recente sobre sindicalização das desenvolvedoras e distribuidoras de jogos deve ajudar a garantir melhores condições de trabalho, o que é um ótimo começo. E o exemplo de jogos que vendem muito mais do que o esperado pela qualidade apresentada já no lançamento tem bastante influência, como vimos com Elden Ring e The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom. 

Mas o principal fator parece ser a mudança de cultura da indústria. Nem todo jogo precisa ter o escopo e a quantidade de conteúdo de um GTA V. Às vezes falta a compreensão de que jogos menores e experiências mais contidas também são muito bem-vindas, especialmente se estiverem de acordo com o tamanho e as capacidades da equipe de produção. 

É hora dos jogos AAA fazerem as pazes com os próprios limites.


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