A série Zelda sempre teve mais prestígio do que números, mas isso mudou
“É surpreendente que Zelda esteja se saindo tão bem.”
A frase acima foi dita pelo então presidente da Nintendo, Tatsumi Kimishima, em abril de 2017. O Nintendo Switch havia sido lançado há pouco mais de um mês e já dava sinais do sucesso avassalador que o console seria, com quase 3 milhões de unidades vendidas. O jogo citado por ele era The Legend of Zelda: Breath of the Wild, lançado junto com o Switch. Os números impressionaram mesmo os analistas mais otimistas, inclusive o próprio presidente da gigante japonesa. Zelda, afinal, nunca tinha se consolidado como um fenômeno de vendas, no mesmo patamar de outras franquias da Nintendo.
Cortamos para maio de 2023. Breath of the Wild já vendeu aproximadamente 30 milhões de cópias. Hoje, quarta-feira (17), acordei com a notícia de que a sequência do jogo, The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom, bateu a marca de 10 milhões de cópias vendidas mundialmente, em apenas 3 dias. Essa não apenas é a melhor estreia da história da série, como também faz do jogo o maior lançamento da história do Nintendo Switch nas Américas. Embora os números sejam absurdos, a principal diferença do momento atual para 2017 é que, dessa vez, o sucesso era esperado. Do lançamento do Switch pra cá, Zelda passou de surpresa para certeza. Como isso aconteceu?
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Quando falo em ‘surpresa’, não estou, de maneira alguma, diminuindo a importância histórica e a irrefutável qualidade da série Zelda ao longo dos seus quase 40 anos de existência. Os jogos da franquia sempre foram extremamente aclamados e cultuados, tanto pela crítica quanto por milhões de fãs apaixonados – e aqui cabe admitir, faço parte desse grupo. A questão é que Zelda sempre foi uma série muito mais lembrada, justamente, pela qualidade e prestígio, não por números fenomenais de vendas. Os jogos sempre apareceram nas listas de melhores de todos os tempos, mas quem realmente carregava o piano dos consoles de sucesso da Nintendo eram os novos jogos de Mario, Pokémon, Smash Bros. e Animal Crossing.
Só para dar uma situada, o jogo mais bem sucedido da série antes de 2017 tinha sido Twilight Princess, de 2006, com quase 10 milhões. Assim como aconteceu com Breath of the Wild e o Switch, Twilight foi impulsionado por ter sido título de lançamento do Wii. Mas nem de longe manteve esse pique inicial, ficando bem abaixo de jogos como Mario Kart Wii (37 milhões). Os números de Breath of the Wild o colocam acima de séries como Pokémon e Super Mario, algo que seria impensável há 6 anos.
Mas, para além dos números frios, entender a nova realidade de Zelda é entender também o que mudou na estrutura dos jogos desde então. Porque Breath of the Wild e Tears of the Kingdom não são apenas um sucesso de vendas, mas um fenômeno social. São febres em plataformas de streaming como a Twitch, ou mesmo em redes sociais focadas em viralizar vídeos curtos, como TikTok e Twitter. Tudo isso tem relação com a liberdade de exploração e criação que os novos jogos do Nintendo Switch trouxeram à série.
As mecânicas e habilidades valorizam não apenas um level design elaborado, com quebra-cabeças extremamente inteligentes, mas também a jogabilidade que emerge da pura curiosidade e criatividade dos jogadores. Isso já era verdade em Breath of the Wild, com as inúmeras possibilidades de exploração e dos usos inventivos da física do jogo, que criaram uma comunidade fiel de streamers, speedrunners e teoristas que mantiveram o jogo vivo no imaginário popular, mesmo anos depois de seu lançamento, ajudando a seguras as vendas semanais lá no alto o tempo todo.
O que nos leva à estreia avassaladora de Tears of the Kingdom. É muito nítido que a equipe de desenvolvimento do jogo, liderada pelo produtor Eiji Aonuma e o diretor Hidemaro Fujibayashi, entendeu e amplificou justamente o que tornou o jogo anterior tão popular. As novas mecânicas de manipulação e montagem de objetos multiplicaram muito as possibilidades de criação para a comunidade de jogadores, dando origem a uma nova explosão de memes e vídeos virais. É algo muito mais próximo de outros fenômenos culturais como Minecraft e The Sims, focados em criatividade e jogabilidade emergente, mas sem perder o refinamento típico da série nos puzzles, nos personagens e na construção do mundo.
Se antes lembrávamos de Zelda pela genialidade do projeto de uma fase como o Water Temple de Ocarina of Time, hoje citamos também a troca viva de novas histórias, veículos e possibilidades dentro das mecânicas do jogo. Não temos como cravar se isso é melhor ou pior do que a realidade de Zelda que conhecíamos antes, é algo subjetivo. O que sabemos com certeza é que mudou a série de patamar, enquanto sucesso de vendas e, mais importante, como uma experiência social dinâmica dentro da comunidade de jogadores.
O que antes era como um passeio guiado em um parque temático, com pontos altos milimetricamente calculados, agora é mais como a organizada bagunça de uma feira de tecnologia e inovação, onde cada jogador tem um estande para expor as próprias experiências, a própria história. Isso é muito, muito poderoso, em uma época onde a cultura e o debate público são determinados pela expressão pessoal nas redes sociais.
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