Glória à Arstotzka! O Joias Perdidas de hoje é sobre Papers, Please!
Quando Papers, Please foi lançado, lá em 2013 (a versão completa), o mundo indie ainda engatinhava. As poucas referências eram Braid, Cave Story, Super Meat Boy, Hotline Miami e o tal do Minecraft (cê num sabia que Minecraft era indie, juvenil?). E olha que se tornaram ícones (não os que ficavam na área de trabalho, esse aí é fácil) apesar de um momento de extremo preconceito do público com games de produção completamente independente.
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E, em meio a tudo isso, um tal de Lucas Pope decidiu que um simulador de alfândega seria o ideal para os consumidores. Afinal de contas, quem não ama ter que apresentar o passaporte na imigração e ficar horas na fila esperando sua vez de ser extraditado? O Joias perdidas de hoje é sobre Papers, Please, e como um jogo independente, no auge do preconceito, trouxe uma história pesada e extremamente atual, usando um passaporte e um carimbo para contá-la.
O jogo se passa em uma tela simples. Uma gigantesca fila de imigrantes, querendo acesso à grande nação de Arstotzka. Um país ditatorial, com diversas leis de entrada em seus territórios, e o seu papel é cumprir, da melhor forma possível, as regulamentações estabelecidas pelo governo. Mas a verdade é que isso é um pano de fundo – ou de frente – para fazer com que o jogador questione seus próprios valores ao definir o que é capaz de mexer com a integridade do trabalho, ou da dedicação ao seu país.
Para prosseguir no jogo, o player precisa aprovar ou rejeitar o máximo de imigrantes possível durante o expediente. Cada decisão correta, de acordo com as regulamentações do dia – sim, elas mudam basicamente a cada dia do game – dá 5 dinheiros, para que o protagonista pague as contas da família, compre remédios, aquecimento para a casa e tudo mais. As punições, por outro lado, começam depois do segundo erro diário. Uma notificação informa que, além de não receber por aquele serviço, você perdeu 5 dinheiros, e tudo fica mais complicado para comprar o leite das crianças.
A pressão cresce, e, conforme o jogador se acostuma às mecânicas, conquista atalhos de teclado para ajudar na velocidade, surgem, cada vez mais, novas mecânicas, e o que parecia bastante simples toma um tom extremamente complexo e opressor, assim como as ordens dos generais de Arstotzka.
E é nesse momento que Papers, Please começa a brilhar. Diversas situações mexem com a cabeça do player. Ser rápido ou parar para pensar na situação de uma esposa com documentos ilegais, pedindo o favor de deixar que ela siga o marido, que acabou de ser aprovado? Ajudar um tal de Jorji Costarva, que, desde o começo do jogo, tenta de todas as formas – inclusive com um passaporte desenhado – entrar com mercadorias ilegais no país, e sempre aceita a rejeição com bom humor?
Ameaças de bomba, granadas atiradas aos guardas, a decisão sobre prender uma pessoa para ganhar mais dinheiro ou apenas rejeitar a entrada. O jogo mexe com o psicológico durante toda a gameplay. E, além disso tudo, mexe com os valores políticos do jogador, dando opções para que o mesmo ajude a executar um golpe de estado, cada situação abrindo espaço para um encerramento diferente do game, uns com a vitória do governo, outros com a prisão ou a fuga do protagonista.
A simplicidade de Papers, Please é apenas estética. Uma maquiagem que envolve algo muito bonito. Um embrulho comprado na papelaria pra envolver uma caixa de joias. Joias Perdidas, de fato, as nuances do jogo foram vitais em provar que, mesmo em pixels borrados, existe a possibilidade de que uma história seja extremamente envolvente, e Lucas Pope entendeu isso mais cedo que a maior parte dos gamers no mundo.
Eu jogo Papers, Please até hoje, e, sim, o texto começou com um Glória a Arstotzka, é o meme, é o que muita gente liga, de fato ao jogo. Mas o sentimento de odiar aquela situação ditatorial é muito atual. Jogos refletem sim a realidade, são arte e passam do apenas entretenimento – mesmo que, para alguns, seja entretenimento mesmo, e tá tudo bem, arte também é entretenimento.
Papers, Please, inclusive, ganhou um curta e um documentário sobre o desenvolvimento.
A forma que um jogo de estilo artístico simples debate a liberdade individual, o autoritarismo, as tentativas de um povo de retomar o controle sobre sua própria existência, os conceitos de fronteira, nação, ameaças, a propaganda estatal, a brutalidade policial e o desespero de pessoas, que se veem cada vez mais sem esperança, tentando achar uma saída para a miséria na qual vivem. Papers, Please é um jogo leve, mas, ao mesmo tempo, carrega um peso absurdo dentro dos poucos megabytes de arquivos.
Portanto, deem uma chance para essa joia perdida do mundo dos games. Papers, Please é arte. Subjetivo, mesmo sendo extremamente objetivo. Reflexivo enquanto direto, complexo enquanto extremamente simples. Tudo que uma obra de arte deve ser.
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