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Bruno Garcia, psicólogo de esports
Valorant
Foto: PGL

VALORANT: Importância, impacto, desafios e estratégias: Bruno Garcia fala sobre a psicologia nos esports

Renomado profissional na área da psicologia nos esports, Bruno Garcia concedeu entrevista exclusiva à Game Arena

Fernando "nandoshow" Schwabe •
11/04/2025 às 14:21, atualizado há 10 dias
Tempo de leitura: 31 minutos

Um dos principais pilares de uma equipe campeã, a equipe de profissionais como psicólogos, nutricionistas, performance coaches e entre outros membros da comissão técnica nem sempre recebem seu devido crédito. Em momentos de grande pressão e expectativa por parte das organizações, fãs e até dos próprios jogadores, o psicólogo de esports Bruno Garcia, referência na área, concedeu entrevista exclusiva à Game Arena e detalhou o trabalho, impacto, desafios e estratégias para transformar os jogadores em suas melhores versões dentro do servidor.

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Inicialmente, Bruno Garcia fez uma breve introdução sobre sua carreira e de seu interesse pelos esports:

Começou desde moleque, sempre fui gamer, sempre gostei de jogar. Comecei trabalhando na psicologia mais na parte de recursos humanos na psicologia clínica. Até que teve um momento que eu pensei se existia uma possibilidade de levar a psicologia para os esportes eletrônicos? No Brasil, era muito desafiador porque não tinham tantos recursos, estudos, coisas publicadas na área. Durante o tempo, fui conversando com alguns profissionais, entendendo como funcionava o mercado, fazendo algumas consultas e eu fui entender que, sim, existe um mundo já ali na parte do LoL, que foi onde começou a trazer a parte da psicologia para os esportes eletrônicos, mas em algumas outras áreas, não estava tão difundido assim.

Eu, por exemplo, falei que sempre fui gamer e comecei jogando Counter-Strike. 2002, 2003 eu já jogava CS, era até bem complicado no Rio de Janeiro porque tinham aquelas questões de LAN House, então o pessoal ficava preocupado. O Counter-Strike sempre foi uma paixão, foi onde eu comecei a jogar competitivo assim. Durante essa pesquisa, eu vi que algumas outras áreas do esporte eletrônico não tava tão difundido assim. Eu peguei os primeiros profissionais que trabalhavam no Brasil, fiz algumas consultas, falei com organizações. É uma área muito nova, eu brinco que todos nós somos meio que cobaias nessa área. Há duas décadas atrás, a gente jogava e o prêmio era um mouse pad, hoje em dia os caras estão com hotel cinco estrelas, viajando o mundo com o jogo, com algo que amam.

É uma área que evoluiu em muitos aspectos, mas em alguns outros aspectos, estamos descobrindo como criar essa atuação. Depois de ver que era possível, aí eu fui fazer uma especialização na parte de psicologia do esporte tradicional, porque ainda não existiam tantos recursos ou estudos no Brasil na área do esporte eletrônico e foi aí que eu me apaixonei. Eu vi como a psicologia, já no esporte tradicional, gera muito impacto há muito tempo e eu adaptei muito dessa realidade para o esporte eletrônico“, respondeu Bruno.

Bruno Garcia comentou as principais diferenças do esporte tradicional para o atleta do esporte eletrônico:

Na verdade, tem bastante diferença. Isso é até legal a gente falar porque tem esse mito que o esporte eletrônico não é tão demandante quanto o esporte tradicional. Os estudos que já começam a aparecer aqui em Varsóvia, na Polônia, que é o local onde eu moro atualmente e é bem legal pra fazer esse intercâmbio e networking, aqui tem um dos poucos laboratórios no mundo que estudou especificamente o cérebro de jogadores de esporte eletrônico e de FPS. O nível de energia gosto durante um jogo é muito alto. Só para ter noção, nosso cérebro não é um dos maiores órgãos do nosso corpo, mas é um dos que mais gasta energia.

Quando eu trabalho performance com os jogadores, uma das melhores visões que eu posso passar para eles é como a gente torna um jogador com um gasto de energia suficiente durante um jogo. Por mais que um jogador de um esporte físico tenha muito processamento cognitivo de um trabalho de tomada de decisão, não chega perto, em alguns esportes tradicionais, a um trabalho de processamento cognitivo de um jogador de esports. Por mais que ele esteja sentado, semifinais, finais de campeonato que são muito demandantes em vários aspectos emocionais. Eu lembro, particularmente na Champions de 2023, foi uma das únicas vezes que a gente deixou os jogadores utilizarem energético, porque não são substâncias que oferecem, em longo tempo, benefícios de performance. A gente tava exausto, a gente veio pela lower bracket e foi jogar no LA Forum que foi uma honra.

A própria recuperação hoje no esporte eletrônico é diferente, algo que eu bato muito nessa tecla. A gente precisa falar disso, no esporte eletrônico temos pouquíssima recuperação. São campeonatos em sequência com upper, lower. No CS acho até mais complicado que no VALORANT. O esporte eletrônico é muito demandante de uma maneira diferente do esporte tradicional e muito vem pelo gerenciamento de energia cerebral. Você tem, literalmente, como terminar um jogo exausto, perdendo calorias, perdendo peso, desidratando, por conta do manejo do stress e da tomada de decisão. É diferente nesse aspecto no gasto de energia“, explicou Bruno Garcia.

Em um trabalho complexo, os psicólogos ligados ao esporte eletrônico tem o desafio de preparar os jogadores para cansativas sequências de torneios, que envolvem pressão, expectativa, preparo e cansaço de uma longa sequência de jogos e até mesmo das longas viagens. Bruno Garcia detalhou o trabalho feito para colocar os atletas na melhor posição possível dentro do servidor:

Uma coisa que eu falo sempre é o seguinte: O FPS premia o jogador que joga no momento presente. O que eu geralmente trabalho com os jogadores é a gente criar a nossa própria realidade com o campeonato. Vou dar dois exemplos interessantes pegando dois campeonatos muito importantes ao nível de pressão, visibilidade e como a gente trabalha para fazer isso. Primeiro é a própria LOUD, em 2022, quando a gente foi campeão do mundo. Quando eu assumi o trabalho de psicólogo com a equipe, os jogadores vinham basicamente de uma montanha-russa. Foram finalistas na Islândia e depois saíram da Dinamarca sem ganhar nenhum mapa, na fase de grupos. Essa questão da expectativa mostrou o poder na performance do jogador e como isso afetou.

‘Agora LOUD vai ser campeã, o segundo Masters é nosso e tal’. Os jogadores, pelo que eu entendi, acabaram sentindo um pouco dessa pressão. Lembro que conversando até com o bzkA, falei de que a gente iria construir junto, psicologicamente, a melhor equipe naqueles 30 dias. Tinham ali diferenças entre os jogadores, natural de qualquer equipe. A gente queria construir uma coisa que o manito [Saadhak] falava muito nas entrevistas, a bolha interna. Uma bolha interna que a gente criava a nossa realidade com o campeonato. Quando você trabalha numa tag como a LOUD, com o servidor brasileiro, que tem uma expectativa de ser sempre muito bem-sucedido no FPS, a gente tem que tomar cuidado para essa tomada de decisão dos jogadores não entrar no modo que a gente chama de ‘luta e fuga’. Um modo mais neuro biologicamente rústico que faz com que você não tome decisões estratégicas no presente.

A gente trabalhou com isso desde o início no bootcamp na Espanha, onde a gente trabalhava com a não utilização de redes sociais. Foi uma das poucas vezes que todo mundo seguiu isso. A gente jantava junto, pós-jogo junto, fazer a nossa resenha, criava todos os dias, nosso primeiro ato do dia era a conversa fora do PC. Eu pedia para gente descolar a cara do monitor porque a gente não conversa com o Breach, com a Jett, com o Brimstone. Era com os jogadores, com o Gustavo, com o Matias. Isso era algo muito importante, porque quando você olha pro lado, eu pedia para eles olharem um para o outro na hora do pause, a gente se conecta com o cara que tá do nosso lado. Quando a gente cria essas âncoras, repete no palco, na preparação, faz com a nossa realidade no campeonato. Acontecendo expectativas do lado de fora, a galera comentando, e pra gente, não mudava nada. Quando a gente viu, fomos campeões do mundo. Toda vez que a gente ia começar o dia, eu falava ‘rapaziada, esse campeonato tá open, a gente precisa continuar com nosso foco’.

Eu chamo isso de bússola de valores. Foi curioso porque na final, com o hotel todo vazio, eu abria a conversa da mesma maneira: ‘rapaziada, o campeonato tá open’, mas a gente já estava na grande final. Isso ajuda muito na performance, não trazendo essa pressão externa e tome decisões no momento presente. Até teve um colega jornalista uma vez que falou dessa vez que eu me referi em 2023, ele falou ‘poxa Brunão, quando eu olhava pra rapaziada da LOUD, parecia uma galera leve, tomando decisão no momento presente, enquanto os adversários olhava pro rosto e parecia que tava batalhando contra o game’. Isso faz uma diferença na tomada de decisão também. O segundo exemplo era no major, quando qualificamos pro Rio de Janeiro, eu trabalhava com a 00 Nation do Taco, Coldzera, e construímos essa bolha interna muito bem feita.”, detalhou Bruno.

Em 2022, a LOUD passou por um momento crítico ainda no início de sua caminhada nos playoffs. No primeiro jogo dos playoffs do Champions, a equipe brasileira viu a Leviatán colocar um 12 a 6 no placar. Entretanto, a equipe brasileira manteve a cabeça no lugar, buscou a virada e a vitória por 14 a 12. Posteriormente, o elenco venceu a série e não perdeu mais nenhuma disputa no campeonato, onde se sagrou campeã mundial. Bruno Garcia detalhou a importância do trabalho da “bolha” em momentos de dificuldade e pressão:

Uma coisa que eu falo para os jogadores é que a gente não joga md3 ou md5. A gente joga md1. Isso também traz o nosso foco pro momento presente. A cada momento que estamos jogando, ali na troca entre mapas, a gente não fala da progressão da série, porque parece algo muito longínquo. Se você começa o primeiro mapa da série perdendo e fala da progressão da série inteira, é algo que pode trazer essa melancolia para o jogador de ter que começar essa caminhada. Essa questão da gente trabalhar md1 e cada capítulo dos rounds. O pessoal até brinca e se popularizou como ‘respiração roubada do Brunão’.

São setups que eu gosto de trabalhar que são de primeiro ciclo. Você faz ali um ciclo de respiração progessiva muscular com técnicas de estimulação visual e self talk, trazem o teu foco pro momento presente. Você amassando ou perdendo o round, traz o seu foco pro momento presente. Você não tem como ficar pensando em pinada ou clutch do round anterior porque os dois podem fazer que o seu processamento de informação cerebral se altere pra rodada seguinte. Mesmo que você ganhe um round, a gente chama do ‘tilt do vencedor’, o cara vai e fazer o clutch e salva o round.

Se você pensar em um gráfico de pizza, o seu round tava usando 100% do foco pra tomar decisão no VALORANT. Tem alguns mitos que falam que se você usar 100% ou muitos % do cérebro, você vai performar bem. É ao contrário! Os estudos trabalham com um conceito chamado estado de flow, que é a mais alta performance humana. A gente vê que na verdade, você até perde noção de tempo e espaço, você está completamente imerso e presente naquilo.

São momentos que a gente estuda, neurobiologicamente, para fazer com que o jogador tenha mais possibilidades de ter momentos de flow no jogo. Quando a gente trabalha para o jogador trabalhar no tempo presente, é pra ele tomar melhores decisões, sentir menos pressão e vivienciar isso de maneira positiva. Fragmentando o campeonato, o jogo, uma realidade do momento presente facilita tudo isso”, explicou Bruno.

No esporte tradicional, um dos maiores exemplos do estado de flow, citado por Bruno Garcia, é do brasileiro Ayrton Senna no Grande Prêmio de Mônaco em 1988. O piloto, na época da McLaren, afirmou que se sentia em outra dimensão, como se estivesse apenas dirigindo em um túnel em linha reta. O psicólogo comentou sobre fazer um aquecimento pré-partida visando uma performance de alto rendimento em um torneio:

Eu gosto de falar que a semana de campeonato, a noite anterior, já é o momento do jogo. Não adianta você querer redescobrir sua performance uma hora, 20, 30 minutos antes do game. Quando você vê a gente fazer o nosso setup de pré-jogo, é algo que apenas está ancorando e colocando na mesma página algo que a gente já faz durante a semana, coisas que já são identidade da nossa equipe que a gente já leva para o dia a dia.

A ativação de pré-jogo é apenas para trazer todos na mesma página de performance e fazer, até teve uma frase de um jogador da própria LOUD, ele disse ‘Brunão, eu gosto quando a gente chama a gente pra fazer o pré-jogo que eu vejo que a gente sai daquela preparação individual e a gente já está, como equipe, pensando o jogo, conversando, vivenciando o servidor’. Eu peço ali na green room, no vestiário de certa forma, desligar a tela com o jogo que tá passando, a gente conversar sobre o nosso game, colocar a música que gosta e depois a gente vai pro pré-jogo.

A gente trabalha uma ativação neuroquímica, a respiração, a ativação do sistema parasimpático. O sistema parasimpático é treinável, basicamente sua capacidade de acalmar sem demanda em reação ao sistema simpático, que é aquele que ativa o estado de luta e fuga. Sobre a Leviatán [no Champions de 2022], eu lembro muito de como os jogadores lidam com a falha. Um dos grandes problemas dos esports e do FPS é que a gelara sempre tem que parecer que é muito bom, que não pode falhar.

Quando a gente vê exemplos como Michael Jordan, Michael Phelps, você se colocar em uma situação dentro do jogo, você pode visualizar diversos cenários, inclusive falhando e continuando com confiança, comunicando. Não é se, você vai em algum momento errar. Naquele jogo contra a Leviatán, a gente não mudou nossa comunicação de maneira nenhuma. A gente continuava com as nossas âncoras. A cada round que a narrativa vinha gente, a gente usava ao nosso favor também.”

Com anos de experiência na psicologia dos esports, Bruno Garcia comentou sobre a diferença de trabalho com jovens atletas e com jogadores experientes no cenário competitivo:

É diferente não só pela faixa etária, mas também pela subjetividade daquela pessoa. A gente, como psicólogo, não só temos que ter um conhecimento geral e científico da psicologia, como temos que ter conhecimento de criação de vínculo daquele ser humano que está na sua frente. A gente é meio que o filtro pra criar essa trabalho customizado. Entender a realidade daquele jogador, o momento que ele está vivenciando, mas as faixas etárias vão ter algumas similaridades.

O curioso é que alguns aspectos, o jogador mais novo se a gente trabalha mentalmente bem, ele pode ter até vantagens para a estreia dele. A gente vê uma entrevista do LeBron James, um cara muito adeptivo de técnicas de reset tem vários vídeos dele meditando, fazendo reset no banco de reservas para voltar ao jogo. Uma coisa interessante, com o tempo, a pressão pode subir para alguns jogadores. Agora você tem uma reputação, um público. Pega o caso do LeBron James. Aquele estádio todo, tá ali pra assistir aquele cara, mas ele é um ser humano também. Ele até falou que você não normaliza a pressão, você aprende a lidar com ela. O jogador mais novo vai ter o nervosismo de estreia e vamos trabalhar esse tipo de nervosismo, mas, em alguns momentos, podemos até canalizar algumas dessas coisas que eu chamo de ansiedade saudável e passar a empolgação para os companheiros, já que está vivenciando aquilo pela primeira vez.

A gente prepara o cara para que isso não vire algo não saudável, mas a nível de mentalidade, muitas vezes eles está mais empoglado, nervoso sim, mas é uma visão positiva, do que um jogador mais experiente que já ganhou, que não pode errar, mas o jovem pode porque ele está estreando. Muitas pessoas não falam tanto disso. Existem algumas diferenças no trabalho diante do momento que o jogador tá passando na carreira dele“.

Vivenciando pressão não só dentro do servidor, jogadores profissionais tem que tomar muito cuidado com as redes sociais, principalmente em momentos ruins individual ou coletivamente. Bruno Garcia comentou sobre as redes sociais no trabalho da psicologia dos esports:

A gente volta na mecânica de cutomia do controle. Você sabe que deu seu melhor durante a temporada, porque muitas pessoas falam essa frase ‘dei meu melhor’, mas muitos não tem uma métrica pra isso. A gente gosta de trabalhar essa âncora, você sabe que deu seu melhor quando investiu sua energia em tudo aquilo que tava no seu controle. Você acordou no horário, chegou pontualmente, teve uma boa noite de sono, fez a rotina individual, conversou com teamates. Tem uma frase que eu falo que é o famoso ‘reset de Twitter’. O cara coloca ‘voltaremos mais fortes’ e não faz nada de diferente no dia seguinte. Balela, não vai mudar nada. O que a gente ensina para os jogadores é: as palavras tem que se tornar ação. 

O que acontece é, no dia seguinte, o cara tá chamando o companheiro de bomb dele, falando que tava uma droga, troca uma ideia, chega mais cedo e conversa sobre. Acho que isso é algo muito importante, como a gente cria essa realidade com a equipe e como a gente consegue focar na tomada de decisão interna, nas coisas que estão no nosso controle, evitando as coisas que estão fora do nosso círculo de controle. Quando a gente tá num campeonato e o jogador não está em um momento tão bom, pode inflamar ainda mais o estado subconciente.

Eu falo pra eles que a gente tem que pensar que temos o dia, com o que estamos alimentando o nosso cérebro no dia do jogo? É um conteúdo nutritivo ou tóxico? Onde você tem mais chance de encontrar esses conteúdos? A gente fala pra ligar pra família, assistir um jogo bom seu no passado, conversa soluções pro jogo de hoje, cria uma realidade própria independende do que esteja no lado de fora. Vai facilitar com que você tome decisões no tempo presente e vai trazer aquela circuitaria de armazenamento positivo.

Quem perde ou ganha durante muito tempo, é de forma igual ruim. Pode cristalizar a crença de que se você ganha muito tempo, não precisa se esforçar e corrigir pontos e se perde muito tempo, não importa o que faça, não vai corrigir. Quando estamos em um desses pontos com o time, tentamos trazer pra noção de trabalho durante a temporada e aquilo que a gente quer melhorar, evoluir, e não ficar cristalizado nessas questões“.

Em jogos de FPS, não é raro ouvir que os IGLs não precisam ou não conseguem performar o mesmo que os outros atletas já que estão coordenando à equipe, prejudicando suas performances individuais. Com a pressão de liderar e, mesmo assim, manter o nível para ajudar os companheiros, Bruno Garcia detalhou sobre o trabalho junto dos capitães das equipes visando um equilíbrio entre a parte coletiva e individual do jogador:

É uma função que demanda muito mais daquele gerenciamento de energia cerebral que eu falei. Existe um trabalho diferente, sim. Eu sou muito grudado com os IGLs que eu trabalho, então tenho o trabalho individual muito forte. A gente cria essas skills de tomada de decisão, de acertividade e de cronologia do round. O que eu gosto de fazer, algo que eu chamo de ‘ranking de prioridades do round’, onde a gente fragmenta o round e o jogador consegue entender a alternância de foco de macro e micro.

O multitasking, em vários níveis, é um grande mito. Você não vai conseguir prestar atenção em tudo, de todas as maneiras, a todo momento. É aquele famoso timing que o capitão toma naquele pixel de vantagem porque tá olhando o mapa, prestando atenção na informação. Se o cara não tem uma definição de quando no round ele foca no macro e micro e quando ele da autonomia dos jogadores do time tomarem decisão, se não existe isso, o capitão tem tendência de ter underperformance. O que a gente geralmente faz, desde a Astralis [CS:GO] de 2017, 2018, que teve um caso na própria psicologia de tomada de decisão muito legal, é de que são cinco IGLs dentro de jogo.

Tem o nosso maestro, que é o IGL de fato, mas ele jamais pode parar no meio da orquestra e ensinar o cara a tocar o violino dele. A gente tem que ter cinco cabeças pensantes dentro do jogo. No tier S, pra você punir brechas, você têm que tomar decisão no que foi estudado e que está consciente dentro do jogo. É algo importante que o IGL, sendo o maestro, entenda que ele não vai tocar o instrumento de todo mundo, mas que ele também de autonomia que os jogadores tomem decisões dentro do jogo. Sobre a parte psicológica, é muito importante pra que ele não sinta que todo o projeto está nas costas dele, que ele é o grande responsável por tudo. Ele é um líder, mas a gente trabalha junto. Naturalizar momentos de falha, para que ele se mantenha dentro do jogo é importantíssimo.

Quando a gente trabalhou com o Saadhak, na época, foi algo que a gente construiu muito bem. Ele era um cara que, em vários momentos chave do jogo, ele passava pra equipe que a gente ia conseguir fazer dar certo. Ele trazia um sorriso, uma leveza, mas com convicção daquilo que a gente quer fazer. Isso fazia com que a gente olhasse um pro outro e falasse que tem jogo, criando a nossa realidade no campeonato. Eu falava uma frase que é ‘fazer os nossos adversários não entenderem nada’. Entrou um eco dos caras na gente, mas a gente mantinha comunicação, atitude.

Se eles olhassem pro nosso lado do palco, eles iam olhar e falar ‘eles não se atingiram por esse eco’, porque a gente justamente levava em treinamento nosso e o IGL era peça responsável, principal, que iniciava isso. Isso acaba virando até uma marca do manito que ele faz muito bem“.

O trabalho de um psicólogo não se trata apenas de uma conversa. Durante uma sessão, o profissional faz diversas análises, como reações corporais, velocidade da fala e muito mais. Bruno Garcia comentou sobre as principais diferenças de um tratamento presencial e à distância com atletas profissionais de esports:

Existe uma grande diferença. A minha metodologia de trabalho sempre foi adaptada pro modelo híbrido, por vários motivos. Tiveram questões de pandemia, a gente trabalhava muito no on-line. Teve questões também das organizações, no Brasil, nem todas as vezes vão ter o budget pra trazer o psicólogo presencial, bancar todos os custos dele, moradia, etc. Para poder, até de certa forma ajudar, eu já consegui gerar impacto positivo em várias equipes em formato completamente remoto.

Quando a gente tá falando do tier S, de equipes que vão jogar contra a gente, estão não só com psicólogo, mas com nutricionista, fisioterapeuta. A gente foi em campeonatos de CS e VALORANT que tinham jogadores que tavam auxiliados por um staff de seis, sete, nove pessoas in loco. Não dá pra negar que vai ajudar. Existe essa diferença, principalmente nos momentos de grande pressão, e também no acompanhamento particular do tier S. Claro que eu tento adaptar quando estou de forma remota para estar presente, acompanho comunicação, sempre no um a um com os moleques, aplicando testes de personalidade, aplicando dinâmicas de grupo.

Mas, sim, quando você está no presencial, você consegue pegar nuâncias mais aprofundadas, você consegue conversar com o jogador de uma maneira diferente. Você consegue entender e analisar microexpressões, coisas que estão ali no compartamento da linguagem corporal e a dinâmica do time fora da sessão, que é o momento que a gente tá jantando, fazendo um lazer juntos, como tá funcionando essas dinâmicas.

Muitas das intervenções que eu tenho no presencial são em momentos fora do contexto do treino, chamando o cara pra tomar um café, conversar um pouco. Tem essa diferença. No presencial, eu tenho a tendência de intensificar o trabalho da psicologia“.

Bruno Garcia também detalhou a importância da divisão da liderança para o trabalho em equipe:

Acredito que quantos mais cérebros pensantes dentro do servidor, é bom. O que eu falo é: tem jogadores que focam só no mecânico do jogo. Isso é algo que o servidor brasileiro veio perdendo com o tempo. A gente herdou campeonatos que a gente ganhou lá traz, em outros FPS, no 1.6, no Counter Strike, que era uma época que o CS era mais decidido em mira, no individual.

Isso é algo do brasileiro, a gente é muito bom de mira, tomada de decisão e temos que manter isso. Mas não dá pra negar que, com a profissionalização dos esports, pegando o caso da Astralis como exemplo, a descoberta da forma de jogar o jogo que já tava ali. O uso de utilitárias, começar o round com 30 de HP a menos, punição de região, dominio e redomínio, um jogo coletivo com estudos minuciosos, trabalhando psicologia e nutrição. Foram até apelidados numa época de robozinhos por como reagiam ao jogo. Não dá pra negar que tem coisas que vão ajudar na performance.

No Brasil, alguns ainda contestam. Acho que isso não é, necessariamente, só o fundamental. Eu brinco que dá pra jogar VALORANT por 20 horas e não treinar 20 minutos. Se você não tem uma progressão, o que quis treinar hoje, o foco e como está melhorando a tomada de decisão. Você pode ter uma mira excelente, mas não entender o jogo.”

Representante do psicólogo dentro do servidor, os treinadores tem papel chave para manter a equipe no foco e corrigir eventuais erros. Para Bruno Garcia, o trabalho com a comissão técnica tem suas diferenças:

Quando eu trabalho com técnicos, logo na primeira conversa eu trabalho uma visão de complemento. Eles vão ser o mestre do treinamento, do entendimento tático, não vou entrar nessa área do jogo. O que eu ajudo são processos de psicologia de aprendizagem. Como a gente monta uma estrutura de treino, que é um dos grandes desafiadores hoje nos esports, a retenção de conteúdo. Tem muitos erros que a gente vê a nível de psicologia de aprendizagem, por exemplo, você quer treinar uma Ascent.

Ai você faz duas horas de tático na Ascent e joga cinco mapas, uma Ascent, uma Lotus, uma Haven, enfim. Aquele foco que você tinha na Ascent, já foi esquecido no final do dia, derepente a galera termina o dia estressada e você não tem a retenção de conteúdo. Durante o jogo, o treinador vai ser o representante da psicologia. A gente trabalha com os técnicos uma técnica de feedback com acertividade, motivação, liderança, questões da psicologia tem como expertize.

O técnico, com as nossas âncoras de valores e técnicas de reset, sempre faz muito isso. O trabalho com o stk é de parceria imensa. Trabalhamos juntos durante muito tempo e ele é um cara que sempre, desde os pauses na Champions 2023, no VCT que fomos campeões, junto do fRoDão que era muito parceiro de trabalho, ele era um cara que geralmente já na call puxava isso. Até hoje, mesmo que dentro do servidor alguns resultados não foram conectados da forma esperada, a gente não perdia a nossa identidade. A gente fazia os nossos resets e ele é um cara que sempre foi muito parceiro nisso. Todos os técnicos que eu trabalho, num geral, a gente sempre tem esse bate-papo.”

Em momentos ruins, é natural que a cobrança de fãs e torcedores aumente. Entretanto, sempre existem pessoas más intencionadas que enviam mensagens de ódio à jogadores e treinadores, buscando atingir e até mesmo receber insultos para “expor” nas redes sociais. Bruno Garcia comentou a importância da blindagem do elenco em momentos difíceis:

Eu acho que, principalmente nesses momentos, é a mediação. Muitos jogadores vão estar represados, eles vão ter várias opiniões, várias coisas que eles estão sentindo. Você, com familiares seus, vai ter desacordos, são coisas naturais, formas diferentes de ver o mundo. Imagina você tá longe da família, em um ambiente de pressão natural. É implícita a pressão, você é um ser humano, você está nos Estados Unidos, num país diferente, com pessoas assistindo, mais de meio milhão de pessoas vendo e você está acertando e errando, não é na frente de uma, são milhares de pessoas.

A pressão já é implícita naquilo, por isso a gente trabalha nessa visão de estar tirando essa pressão desnecessária e criando a nossa realidade pra tomar uma decisão, se não a gente não toma uma decisão. O que acontece nesse momento é que muitos jogadores podem acabar não conversando as coisas de uma forma proveitosa. A gente entende que vai sentir a frustração, a tristeza. Vai ter um outro campeonato, outro jogo. O tier S e o competitivo não vão te esperar. A gente precisa ter essa mediação. No presencial ou no remoto, o primeiro ato do dia seguinte é chamar os jogadores e fazer uma mesa redonda de forma acertiva no que a gente tá precisando melhorar e fala um coisas pro outro.”

Atualmente, redes sociais como Twitter, Instagram, TikTok e outros tomam a atenção de grande parte da população por muito tempo. Bruno Garcia comenta sobre como o trabalho é feito para lidar com os “inimigos” do foco:

Não só para os jogadores, mas para qualquer um de nós, é um momento geracional muito desafiador. Só pra ter noção, tem alguns estudos, a geração mais nova, tem a memória de um peixinho dourado, de retenção de curto prazo, não vamos chamar de memória, retenção de concentração de curto prazo de 14 a 40 segundos. Essa galera vai pegar um texto e ler só a manchete, só o título. Vai pra um áudio no YouTube, no WhatsApp, você já vê como é desafiador pro cara manter a atenção dele durante dez, 15 minutos. Já coloca na velocidade dois. A vida não é nessa velocidadade, não é na tomada de decisão.

Isso vai pra dentro do jogo. Esses timings que o cara toma por não ficar parado vem de ele ser uma pessoa mais destraída no dia a dia. Existem alguns estudos que demonstram que a presença do celular na mesa já faz que você tenha uma nível maior de substâncias ligadas ao stress, que seu cérebro fique querendo checar o que tá acontecendo. No dia a dia de treino, eu peço pros jogadores reproduza o palco do campeonato. Mesa sem celular, comida, distrações, abas no computador. O cérebro vai virar mestre em tudo aquilo que a gente repete e hoje em dia a sociedade tem se tornado mestre da distração.

Por fim, Bruno Garcia mandou um recado à organizações brasileiras que ainda não investem em psicólogos para seus atletas:

Acho que você vai pensar em duas vias: resultado e bem estar. O psicólogo vai ajudar você nas duas. Ele não vai vir como solucionador de problema geral nas duas, tem muita organização que pensa no psicólogo como um bombeiro que vai apagar incêndios. Mas pensar de chamar o psicólogo pra fazer um DNA da organização, que tome cuidado com a parte da saúde, performance. A tendência é que você tenha jogadores que joguem bem por mais tempo, não seja apenas aquela lua de mel. Vai ter uma equipe que vai criar uma identidade maior.

A gente falou da LOUD, a Astralis em 2017, Vitality, jogadores que referenciam. Eu tenho a honra do pessoal da LOUD referenciarem sempre o meu trabalho como algo que ajudou bastante na performance. Vão ter momentos que o tático, mecânico, emocional podem cair, ninguém vai ganhar tudo o tempo todo, a própria Astralis é um exemplo, teve um momento que o ciclo fechou. Basicamente, se você busca resultado e, o principal, um ambiente de performance com mais bem estar, pra evitar que jogadores terminem a temporada desgastados, a vinculação entre eles seja melhor. Acredito que a psicologia pode agragar muito à nível de performance e até a nível organizacional de planejamento para ter um ambiente de performance mais duradouro. O psicólogo pode te ajudar nisso”.


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