Apesar de não constar nas regras do futebol, o fair play é amplamente difundido no esporte; confira momentos que marcaram a história do futebol
A prática do fair play voltou a ganhar destaque no futebol brasileiro na última sexta-feira (24), na partida entre América-MG e Santos pela 7ª rodada da Série B do Campeonato Brasileiro. Na ocasião, o atacante da equipe mineira aproveitou a bola deixada de lado pelo goleiro João Paulo, que sofreu uma lesão no tornozelo, e marcou o gol de abertura do placar na vitória por 2 x 1 sobre o Peixe. A atitude gerou grande repercussão e dividiu opiniões sobre uma possível ausência de espírito esportivo.
O conceito costuma motivar diferentes interpretações, uma vez que não existe uma regra específica para definir as condutas em cada situação. As ações partem de uma interpretação dos atletas baseadas em seus valores e princípios éticos. O Game Arena traz, a seguir, as principais definições e entendimentos comuns em torno do fair play, as possíveis condutas da arbitragem e os episódios marcantes na história do futebol mundial.
Conceito de fair play
A tradução literal para a expressão fair play em português é “jogo justo”, o que abre margem para inúmeras interpretações sobre o que seria a justiça em questão O primeiro a utilizar o conceito com o significado dado atualmente foi o Barão de Coubertin, organizador das Olimpíadas de Atenas de 1896. “Não pode haver jogo sem fair play. O principal objetivo da vida não é a vitória, mas a luta”, teria dito francês à época. Apesar de não estar descrito no regulamento da International Football Association Board (IFAB), entidade responsável por criar as regras do esporte, a prática é amplamente difundida em todo o mundo.
Colocar a bola para fora do campo quando um adversário está caído no chão, ao passo em que a outra equipe devolve a posse na cobrança do lateral, em um gesto de gentileza, são as atitudes mais comumente vistas em uma partida. As ações partem do princípio de se negar a obter uma vantagem contra um rival que não está em igualdade de condições.
As instituições e o fair play
A ausência de fair play ou seu uso deturpado é uma prática que pode ser enquadrada no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) como uma atitude antidesportiva, a depender da situação. O artigo 2º estabelece que as normas do CBJD devem ser aplicadas observando-se o princípio do espírito esportivo, ou fair play. Por sua vez, o artigo 156 descreve que “Infração disciplinar, para os efeitos deste Código, é toda ação ou omissão antidesportiva, típica e culpável”.
A FIFA desenvolve diversas iniciativas de promoção do fair play no futebol. Desde 1978, a seleção com menos faltas na Copa do Mundo é homenageada com o Troféu Fair Play, recebendo um diploma, medalhas para jogadores e comissão técnica, além de 50 mil dólares para serem investidos nas categorias de base.
A entidade maior do futebol também promove anualmente o Prêmio Fair Play, desde 1987, reconhecendo iniciativas de respeito, empatia e contra a discriminação no esporte. A Seleção Brasileira é a atual vencedora da honraria, em razão das atitudes de solidariedade com o atacante Vinícius Júnior após os ataques racistas sofridos na Espanha. Além das premiações, a FIFA promove uma campanha anual intitulada Meu Jogo é o Fair Play, onde realiza atividades junto às federações nacionais para ressaltar a importância do princípio.
Arbitragem pode interferir?
Enquanto um profissional responsável por interpretar e aplicar as regras do esportes na prática, não é responsabilidade do árbitro de futebol exigir dos jogadores uma conduta baseada no fair play. A margem de atuação da arbitragem se restringe a episódios que impeçam o andamento da partida, como o goleiro que retarda a cobrança do tiro de meta ou o atleta que simula ter sofrido uma falta.
Um exemplo de fair play partindo da arbitragem ocorreu em fevereiro de 2023, quando o atacante ganês Mohammed Kudus, do Ajax, marcou um gol e tirou a camisa para homenagear o companheiro Christian Atsum que havia morrido em um terremoto alguns dias antes. Pela regra, o árbitro Pol van Boekel deveria ter aplicado o cartão amarelo, mas em razão do momento de emoção o jogador não foi advertido.
Rest in peace, Christian Atsu ♥️🇬🇭 pic.twitter.com/TJHBYMxyUq
— AFC Ajax (@AFCAjax) February 19, 2023
Episódios marcantes da prática ou ausência de fair play
“Mão de Deus” de Maradona em 1986
O exemplo mais icônico da falta de fair play foi o gol marcado por Diego Maradona na Copa do Mundo de 1986, que ajudou a Argentina a vencer por 2 x 1 a Inglaterra nas quartas de final da competição. Na ocasião, o jogador argentino subiu para a disputa com o goleiro dentro da área e utilizou a mão para alcançar a bola e encobrir o adversário. O árbitro da partida não viu a infração e acabou validando o gol. O episódio histórico motivou a FIFA a criar uma campanha de promoção do fair play.
Un día como hoy Maradona hacía el gol de la “Mano de Dios” pic.twitter.com/vMLpecCSIN
— Motivaciones Fútbol (@MotivacionesF) June 22, 2015
Aaron Hunt pelo Werder Bremen em 2014
Em 2014, o meio-campista Aaron Hunt, do Werder Bremen, avançava sobre a área em um lance ofensivo na partida contra o Nuremberg, pelo Campeonato Alemão, e caiu dentro da área. Porém, o árbitro interpretou que o atleta havia sido derrubado e assinalou o pênalti. Hunt então admitiu que não sofreu nenhum toque e pediu a anulação da marcação, o que foi atendido pela arbitragem. A atitude surpreendeu os adversários, que agradeceram ao jogador. “Eu estava buscando aquele contato e queria o pênalti. Foi puro instinto, mas foi errado. Tive que pensar sobre isso, mas nós não queremos vencer uma partida desse jeito”, relatou ao final do jogo.
When Aaron Hunt won the UEFA Fair Play award 🤣 pic.twitter.com/ymAMQ4NR9E
— Not Match of the Day (@NOT_MOTD) May 22, 2024
Golaço acidental de Jan Vertonghen pelo Ajax em 2005
A partida entre Ajax e Cambuur Leeuwarden, pelo Campeonato Holandês de 2005, é o exemplo perfeito para ilustrar o fair play, incluindo sua prática e a ausência ao mesmo tempo, ainda que de forma acidental. Um atleta do Ajax estava caído ao chão e o meia belga Jan Vertonghen tentou colocar a bola para fora do campo, mas acabou marcando um golaço de cobertura da intermediária. Como forma de se redimir, na saída de bola os jogadores ficaram parados e deixaram o adversário marcar um gol sem dificuldades.
Paolo Di Canio pelo West Ham em 2001
Outro momento icônico do futebol ocorreu em 2001, pelo Campeonato Inglês, quando o West Ham avançava ofensivamente contra o Everton. Ao sair ao encontro da bola no lado direito do campo, o goleiro Paul Gerrard se lesionou e deixou a meta livre. A bola foi cruzada na área, mas Paolo Di Canio pegou a bola com as mãos e parou o lance para o atendimento do arqueiro adversário. A atitude foi reconhecida como uma premição da FIFA naquele ano.
Paolo Di Canio won the FIFA fair play award for this moment 👏 pic.twitter.com/pqflBiWWIT
— Former Footballers (@FinishedPlayers) April 4, 2024
Rodrigo Caio pelo São Paulo em 2017
Em 2017, o zagueiro Rodrigo Caio atuava pelo São Paulo quando interrompeu um lance ofensivo do Corinthians. O jogador fez a proteção em torno da bola, mas acabou atingindo o goleiro do próprio time, que caiu ao chão. Mais afastado, o árbitro entendeu que o atacante havia feito o toque e chegou a tirar o cartão amarelo do bolso. Porém, Rodrigo Caio admitir ser o responsável pela ação e a falta foi anulada, assim como o cartão.
Fica aqui a lembrança do Fair Play de Rodrigo Caio. O @SaoPauloFC perdeu esse jogo por 2×0, mas o futebol não falou mais alto.
O futebol faz parte da sociedade. O futebol é humano. pic.twitter.com/1gLs91UIlv
— Max Sousa (@_MaxSousaa) May 25, 2024