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Imagem do filme O Bastardo
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Imagem: Pandora Filmes/Reprodução

Crítica | O Bastardo é um faroeste dinamarquês

A aposta da Dinamarca pela estatueta de Melhor Filme Internacional no Oscar 2024, o Bastardo está em cartaz nos cinemas.

Philippe Ramalho •
16/09/2024 às 20h31, atualizado há 2 meses
Tempo de leitura: 7 minutos

O Bastardo estreou no Festival Internacional de Cinema de Veneza em 2023, onde competiu pelo Globo de Ouro. O filme é a aposta da Dinamarca pela estatueta de Melhor Filme Internacional no Oscar 2024, e finalmente estreou no Brasil na última quinta-feira (12).

Depois de levar o Oscar de Melhor Filme Internacional para a Dinamarca com Druk – Mais uma Rodada em 2021, Mads Mikkelsen retorna em outro drama tipicamente dinamarquês.

Com direção de Nikolaj Arcel (A Torre Negra), O Bastardo acompanha o Capitão Ludvig Kahlen (Mikkelsen), um soldado condecorado, bronco, teimoso e fechado, cuja ambição é colonizar as terras inóspitas e inférteis da Jutlândia, e obter o favor do Rei da Dinamarca em pleno século XVIII.

Como se não bastasse a aridez do terreno e escassez de recursos, Kahlen precisa lidar com o desprezo da nobreza, a falta de trabalhadores, os bandidos da região e a implacável perseguição do mimado (e bem-nascido) Frederik Schinkel — interpretado pelo Simon Bennebjerg de um jeito que faz o intragável Joffrey Baratheon (de Game of Thrones) parecer um anjinho.

Como adaptação do romance O Capitão e Ann Barbara de Ida Jessen (lançado em 2022), o filme escapa das amarguras mais desagradáveis do realismo histórico pra embarcar numa história que se permite ser comovente e dramática.

O filme consegue encaixar pitadas de humor, e até tensas cenas de ação (relembrando a versatilidade de Mads Mikkelsen para esses gêneros do cinema, como seu papel no brutal Polar), mas é no drama humano mais essencial que o filme atinge os mais elevados patamares de qualidade.

Kahlen persevera movido pela sua ambição, seu profundo desejo de conquistar um título de nobreza e superar seu baixo nascimento. Mas é na jornada para vencer os obstáculos que ele se descobre mais flexível, compreensivo e humano.

O Bastardo retrata a ordem versus o caos

Um dos temas principais do filme é a relação entre códigos, tradições e regras — o conceito central de “ordem” — se opondo ao caos da competição, do imprevisível, e da selvageria dos ermos e das pessoas.

Kahlen é motivado, a princípio, por uma ferrenha lealdade ao Rei da Dinamarca, por sua ambição de ascensão à nobreza e por sua teimosia por como as coisas “devem ser”; ele faz questão da casa varrida e a comida no centro do prato. Mas, após as primeiras conversas com o mimado e arrogante Schinkel, o capitão precisa lidar com o fato de que não é esse tipo de pessoa.

Todos os momentos em que Kahlen se desvia da sua ambição e teimosia, ele o faz motivado por uma capacidade mais humana e elevada de auxiliar aqueles que precisam. E cada pessoa que ele decide ajudar (partindo do princípio que “não deveria”), ele adquire mais confiança e suporte. Ao mesmo tempo, Schinkel, que tanto defende o caos no risível discurso do jantar, gradualmente sofre com a insubordinação, deslealdade e até vingança daqueles que ele julgava sob seu controle.

O título do filme, O Bastardo, foi traduzido nos países anglófonos como The Promised Land (“A Terra Prometida”), pela conotação mais pesada que a palavra bastardo tem em inglês — e isso certamente confunde um pouco, levando a imaginar que essa é uma história parecida com tantas outras sobre destino manifesto; mas preservado na versão brasileira, o título carrega o peso emocional da verdadeira ambição que Kahlen quer superar.

Essa ávida necessidade de legitimidade, em uma sociedade onde os códigos e tradições definem quem manda e quem fica na jaula sendo torturado, é real de um jeito que não seria em nenhuma outra época.

Faroeste gelado, concessões sensatas

A imagem de um peregrino ousado e determinado avançando para colonizar uma terra inóspita com o sonho da riqueza e prestígio é típica dos pioneiros do Velho Oeste, e é interessante descobrir como algumas das temáticas típicas do faroeste surgem no épico histórico. A terra sem lei da Jutlândia, longe de qualquer supervisão da hierarquia que Kahlen tanto venera no começo da história, se prova um lugar mais difícil de domar — não somente por causa das dificuldades de cultivo ou falta de luxos, mas pela própria necessidade de se adaptar para sobreviver.

Ao lidar com bandidos perigosos (primeiro com violência, depois com negociação), O Bastardo mostra como Kahlen subverte o clichê do soldado bronco e se revela mais apto ao papel de líder que ele almeja. Quando supera as superstições e preconceitos que eram a norma de sua época, Kahlen se revela uma pessoa esclarecida e misericordiosa.

Quanto mais a história avança, mais Kahlen precisa decidir quando ceder e quando persistir, quando aceitar ajuda e quando permanecer passando fome, quando ajudar e quando abandonar… e isso testa sua determinação e mexe com sua motivação principal.

É nesse aspecto que a vulnerabilidade humana é explorada com perfeição, nas relações de Kahlen com Anmai Mus (Melina Hagberg), Anton (Gustav Lindh) e Ann Barbara (Amanda Collin). Conforme a história avança e as revelações e reviravoltas acontecem, as relações com as pessoas provocam mudanças irreversíveis.

Na experiência de construir o primeiro assentamento próspero na Jutlândia, Kahlen acaba explorando as emoções mais intensas do seu próprio coração fechado. E assim como a terra árida e infértil se dobra aos cuidados para gerar o verde, também o coração de Kahlen é degelado e aquecido pela relação com cada pessoa em sua vida.

É nesse aspecto que Nikolaj Arcel revela sua habilidade como diretor, explorando todo o talento de Mikkelsen para transmitir as emoções pelo silêncio das expressões, dos gestos, e dos olhares, levando o público a sentir exatamente o que Kahlen sente, e acompanhá-lo na sua jornada para compreender e aceitar a única forma de ter sua verdadeira ambição realizada.

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